segunda-feira, 4 de junho de 2018

LEILA POR NEWTON NAVARRO

Ariano Suassuna e Leila Cunha Lima



Era preciso clarear ainda mais a manhã. Mesmo esse sol forte de setembro ainda não alcança a alma. E as perspectivas de uma segunda-feira sempre são sisudas. Então me lembrei de Leila. E assim que lhe escrevi o nome não apenas a página da crônica ficou mais clara, como toda a sala. Leila é um pequeno ser que não me conhece felizmente para ela. Habita ainda essa faixa que os anjos devem povoar. Terra interditada aos que fugiram do paraíso terreal. Leila se completa no sono e se perde em embalos. Deve muito melhor, do que qualquer estudante de botânica, entender uma flor. Acredito que as estrelas baixam a cada tarde para carícia de suas mãos leves. Leila é motivação permanente para que se respeite a vida e se espreite a esperança. Tenho-a nesta coluna hoje com inusitada alegria. Veio clarear com o seu nome a densa treva que rodeia os horizontes dessas consoantes e vogais enriquecidas. Letras espantadas que trazem doridas e fundas notícias de um mundo que lentamente se esvai. Seu pequeno nome se faz alegria mais acesa na selva dessas frases a repetirem todos os dias um intrigado noticiário de melancolias. Pensei em escrever muitas epígrafes de versos, provérbios, citações que melhor enfeitassem a página e no final das contas tudo acabasse em louvor de Leila sem uma palavra minha. Construísse a maneira de um fogueteiro no seu mágico mister de artifícios longos períodos de beleza alheia, onde algum dia mais tarde Leila fosse encontrar qualquer coisa mais terna e mais poética da vida.

Mas, por fim, caí mesmo em minhas divagações. O teclado da velha máquina mastigava as palavras do uso comum e eu queria mais enternecimento para saudar minha visitante. Olhei a página que escrevera e não havia nem sequer a alegria de muitas vogais juntas, numa ciranda maior, cantando coisas que nós os mortais, angustiados, quase tempo não sabemos escrever.

Então, somente o nome de Leila iluminava a página. Preferia silenciar. Pequena, chama num horizonte de fraquezas de formas e cores. Fogo matutino, com essa forma misteriosa que têm as luzes do mar e sobem alto e alumiam os mastros do navio. Era assim a presença desse nome na página do jornal. Sinal luminoso de livro passagem. Que não se olhasse mais os escombros ou os avisos negativos de felicidade. Mas, tão somente, a cor e bordado desse nome mágico. Delicadeza e leveza de palavras juntas que somente a música maternal dos lábios sabe chamar e repetir com pureza.

  (Publicado há 50 anos)





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