Ariano Suassuna e Leila Cunha Lima |
Era
preciso clarear ainda mais a manhã. Mesmo esse sol forte de setembro ainda não
alcança a alma. E as perspectivas de uma segunda-feira sempre são sisudas.
Então me lembrei de Leila. E assim que lhe escrevi o nome não apenas a página
da crônica ficou mais clara, como toda a sala. Leila é um pequeno ser que não
me conhece felizmente para ela. Habita ainda essa faixa que os anjos devem
povoar. Terra interditada aos que fugiram do paraíso terreal. Leila se completa
no sono e se perde em embalos. Deve muito melhor, do que qualquer estudante de
botânica, entender uma flor. Acredito que as estrelas baixam a cada tarde para
carícia de suas mãos leves. Leila é motivação permanente para que se respeite a
vida e se espreite a esperança. Tenho-a nesta coluna hoje com inusitada alegria.
Veio clarear com o seu nome a densa treva que rodeia os horizontes dessas
consoantes e vogais enriquecidas. Letras espantadas que trazem doridas e fundas
notícias de um mundo que lentamente se esvai. Seu pequeno nome se faz alegria mais
acesa na selva dessas frases a repetirem todos os dias um intrigado noticiário
de melancolias. Pensei em escrever muitas epígrafes de versos, provérbios,
citações que melhor enfeitassem a página e no final das contas tudo acabasse em
louvor de Leila sem uma palavra minha. Construísse a maneira de um fogueteiro
no seu mágico mister de artifícios longos períodos de beleza alheia, onde algum
dia mais tarde Leila fosse encontrar qualquer coisa mais terna e mais poética
da vida.
Mas,
por fim, caí mesmo em minhas divagações. O teclado da velha máquina mastigava
as palavras do uso comum e eu queria mais enternecimento para saudar minha
visitante. Olhei a página que escrevera e não havia nem sequer a alegria de
muitas vogais juntas, numa ciranda maior, cantando coisas que nós os mortais,
angustiados, quase tempo não sabemos escrever.
Então,
somente o nome de Leila iluminava a página. Preferia silenciar. Pequena, chama
num horizonte de fraquezas de formas e cores. Fogo matutino, com essa forma
misteriosa que têm as luzes do mar e sobem alto e alumiam os mastros do navio.
Era assim a presença desse nome na página do jornal. Sinal luminoso de livro
passagem. Que não se olhasse mais os escombros ou os avisos negativos de
felicidade. Mas, tão somente, a cor e bordado desse nome mágico. Delicadeza e
leveza de palavras juntas que somente a música maternal dos lábios sabe chamar
e repetir com pureza.
(Publicado há 50 anos)
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