domingo, 11 de dezembro de 2022

MEIA PORÇÃO de SOL

 

“Eu: essa paisagem com
a assinatura breve e nítida
de quem não desiste nunca.”


 
O Seridó potiguar é palco e inspiração para os alumbramentos da poesia da currais-novense Iara Maria Carvalho. Sob a ótica da figura feminina, de maneira singular, as manifestações de um eu-lírico presta tributo à realidade local, narrando o passado e o presente, e elevando singelamente tarefas simples. A simplicidade não está apenas no conteúdo retratado, mas também na forma de escrever. A linguagem é direta e os versos olham para a simplicidade das coisas, fazendo com que a complexidade do cotidiano seja compreendida em sua extensão através de um diálogo honesto com o leitor.
 
Os exercícios líricos de Iara, escritos em versos livres e concisos, iluminam a força das palavras e das imagens. Fala da natureza, da memória, da família, da vida doméstica, de amores, do seu ser e do mundo. No entanto, sua poesia está longe de ser óbvia ou redundante, muito pelo contrário, é texto denso cujo alcance transcende as páginas do livro. São revelações acerca dos pensamentos e posturas que abrangem o ideário da autora.
 
O espírito independente se apresenta abertamente ao longo dos versos e das páginas cúmplices. É uma literatura que é resistência porque é catarse. Trata-se de transcendência, de uma mulher que se recria ou se descobre por meio da literatura, da criação poética. “Meia Porção de Sol” é surpreendente, talentoso e fascinante. 
A autora merece o elogio do seu orientador de mestrado, Derivaldo dos Santos. Iara além de ser poesia, é simpatia.

DIOGENES da CUNHA LIMA

 
 


DCL LANÇA LIVRO de CANÇÕES



O escritor e poeta Diogenes da Cunha Lima vai lançar livro reunindo todas as suas canções infantis e juvenis. O lançamento de “Canções de Ninar e Cantigas InfantoJuvenis” está marcado para 15 de dezembro, a partir das 17h, no Baobá do Poeta, com apoio do SESC e a participação de intérpretes e parceiros musicais do autor, apresentando poemas que exploram uma de suas formas poéticas preferidas: as canções. Com produção de Olindina Freire e prefácio de Roberto Lima, a coleção musical tem canções dedicadas a filhos, netos e pimpolhos de amigos.
 
Além de dezenas de canções gravadas, que lhe deram a condição incontestável de poeta musical, Diogenes, 85 anos, tem mais de trinta livros publicados. No novo livro, ele reúne as letras de suas canções e QR-Code com interpretações de Lucinha Lira, Zezé Delgado, Artur Porpino, entre outros. Com uma linguagem acessível e coloquial, mostra a influência da música na vida do compositor. Seus versos simples contemplam a consciência humana sobre o encanto existencial e os sonhos, em um lírico impregnado de elegia à vida.
 
O autor dialoga ao mesmo tempo com a tradição e a modernidade, abordando o conhecimento do eu, do outro e do mundo.  Grande voz da cultura potiguar, versátil e incansável, Diogenes da Cunha Lima segue em plena atividade literária. Em de “Canções de Ninar e Cantigas InfantoJuvenis” aparece inteiro: breve, leve e sublime. Uma poesia que canta e encanta. O menino que desde muito novo viveu o universo musical, nos traz nesses versos sua música tão emocional e, ao mesmo tempo, tão eterna, aguçando novos sentidos, novas percepções.
 

Evento: 
Lançamento de “Canções de Ninar e Cantigas InfantoJuvenis”, 
de Diogenes da Cunha Lima.
 
Local: 
Baobá do Poeta, rua São José.
 
Data: 
15 de dezembro (quinta-feira), a partir das 17fh.
 



quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

CASCUDO e VIVI

Busto de Veríssimo de Melo


Na gaveta dos papéis desarrumados encontrei esta semana, num envelopão de papel madeira já com as manchas do tempo, um recorte do jornal “A União”, de João Pessoa, página inteira, com uma matéria assinada por Veríssimo de Melo. Saiu na capa do “Segundo Caderno”, edição de 8 maio de 1987, com o título “O folclore de Cascudo”.   Leitura deliciosa, como se leitor estivesse ouvindo uma conversa solta dos dois grandes folcloristas, excelentes conversadores, amigos e parceiros, numa mesa de bar, na Peixada da Comadre, ou mesmo na  casa de um deles.
 
Para o deleite do leitor transcrevo alguns trechos da matéria começando pelo começo, Vivi escrevendo assim:
- Luís da Câmara Cascudo era homem quotidianadamente bem-humorado. Sempre o encontrava trabalhando, escrevendo à máquina, quando não recebia visitas de admiradores e amigos inumeráveis. Cascudo era mestre também na arte de conversar. Não havia assunto, no plano da cultura, que desconhecesse. Falava e deixava a gente falar. A sua alegria interior era decorrência de sua cultura, de sua erudição. Muitas vezes também o surpreendia lendo, na rede, fumando seu charuto. Certa manhã, entrando no quarto dele, encontrei-o na rede, com um grande travesseiro nas costas; lendo. Embaixo estava enorme bacia, o que estranhei. Ao sair, perguntei o que significava aquela bacia. Seria algum ritual folclórico? – indaguei. Ele deu a resposta adequada ao curioso: “Jumento – disse ele – como é que poderia acertar num cinzeiro deste tamanho, me balançando na rede e lendo?” Era cinzeiro gigantesco... A seguir, outras “pérolas do humor de Cascudo”.
 
- Nilo Pereira foi outro amigo diletíssimo de Cascudo. A ele, como prova de amizade, dedicou seu livro “Literatura Oral”, um dos mais importantes. Nos últimos anos, Nilo Pereira sempre vinha a Natal visitar o Mestre Cascudo – a quem tratava por Berbelho. Assistia muitos encontros dos dois. Ocorriam coisas e gestos inacreditáveis. Basta dizer que a maior prova de estima de Cascudo por Nilo Pereira se manifestava através de um ponta-pé na canela... Nilo gritava como uma criança e ficava manquejando vários minutos. Ou então Cascudo lhe atirava todos os travesseiros que estivessem à mão. ”
 
- Quando trabalhava à tarde no jornal “A REPÚBLICA”, que ficava vizinho à casa de Cascudo, observei muitas vezes o Mestre saindo de casa em direção à Ribeira. Roupa escura, chapéu, bengala, fumando enorme charuto. Ia a pé, falando com um e com outro pela calçada. Um dia, me deu vontade de saber para onde se dirigia o Mestre. Acompanhei-o de longe. Passou pela rua Dr. Barata, falando com muita gente. Finalmente, entrou na Av. Tavares de Lira e sumiu num bar. Esperei um pouco e resolvi também entrar no bar para falar com ele. Aproximei-me e observei a cena: estava sentado à cabeceira de uma mesa larga, cercada por garçonetes e motoristas de praça. Tomava uma cervejinha vespertina. Quando nos falamos, ele se justificou, dizendo: “Pois é, meu filho, estou aqui estufando costumes! ”  E estava. ”
 
- Homero Homem é autor de um belo poema sobre Cascudo. Numa visita que fizemos aos dois ao Mestre – Homero residente no Rio de Janeiro, há muitos anos – Cascudo saudou o poeta com esta exclamação inusitada: “Meu filho, escreva um poema ruim, que eu quero ler! ”.
 
- A meu respeito, na presença de amigos comuns, inventava coisas do Arco da Velha. A propósito de minha conhecida magreza – antes muito mais acentuada do que hoje – ele me caracterizou uma vez desta forma: “O corpo de Veríssimo é um pretexto para guardar a alma”.

WODEN MADRUGA
 
 



GRAÇA e INVENÇÃO do POETA

 

Luís Carlos Guimarães (1934 – 2001) inventava ou modelava histórias, que despertavam o bom humor e o espírito. O poeta dizia investir em amizades. Teve lucro. A sua aplicação rendeu-lhe muitos amigos devotados, admiração unânime em nossa cidade e em muitas pessoas de qualidade no País.
 
Esse poeta do Brasil não teve, como merecia, o reconhecimento nacional, ainda que recebesse o louvor de grandes poetas. Entre os mais talentosos: Lêdo Ivo, Gilberto Mendonça Teles, Francisco J. C. Dantas, Sérgio Castro Pinto. Também de poetas tradutores como Ivo Barroso e Fernando Py e de escritores de expressão a exemplo de Pedro Nava e Juarez da Gama Batista.
 
Tinha razão Luís da Câmara Cascudo quando, desalentado, declarou que Natal não consagra e nem desconsagra ninguém. Em verdade, a literatura da província mal ultrapassa as fronteiras estaduais. Somos ilhas culturais no arquipélago brasileiro. Estamos longe dos polos, Rio de Janeiro e São Paulo. E mesmo dos centros difusores regionais: Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador.
 
Luís Carlos dava às suas histórias contextos e contornos agradáveis. Ninguém distinguia o real da fantasia. Parece que o mais importante era o inusitado, surpreendente mesmo e o bom humor.
 
Ele aproveitou um sábado de carnaval para tentar pôr em dia leituras que tinha programado. Lia, feliz, em sua rede, quando Lêda, sua mulher, lhe repetia que fosse comprar um xarope para a tosse do menino. Saiu contrariado. Já no portão, encontrou os seus amigos Tota Zerôncio e Carlos Castilho. Tota estava fantasiado e Castilho vestido de anjo. Seguem para a farra. Luís volta no domingo, carnavalesco. Lêda, irritada, reclama tê-lo procurado por toda parte, inclusive no necrotério. A resposta: “Está aqui o xarope do menino. A culpa não é minha, mas do anjo. Notei que as asas do anjo não cabiam no volkswagen e eu tive que encontrar um carro apropriado, a caminhoneta de um amigo”.
 
Ao lado desse tipo de reação, Luís Carlos Guimarães foi profissional rigorosamente responsável e lúcido, jornalista, juiz e advogado. Em nosso Escritório, ele usava e abusava da “lógica do razoável”. Eu o apresentava dizendo que o juiz Luís aposentou-se depois de 30 anos de lazer. Ele me dava o troco dizendo que não foi desembargador por minha causa. Explicava que ele, juiz em Lajes, foi por mim provocado com uma petição em versos e ele também assim despachou. Depois, lembrado o seu nome para o Tribunal, um desembargador poeta objetou afirmando que ele não levava o Direito a sério, a ponto de fazer poesia nos autos do processo.
 
Costumava olhar o tempo e convidava Artur Cunha Lima para uma cerveja: “Nós vamos dar um dia desses ao patrão?”.
 
Nomeava amigos com apelido ou qualificação carinhosa. Um, ágil e posudo, seria Galo-de-campina, a mim se referia como Didi saxofone ou Didi passarinho. Dedicou-me poema composto com nomes de dezenas de passarinhos. O Gordo Celso da Silveira era “Flor obesa”. Transformava o ludismo da vida na lúdica do verso e, então, acordava palavras esquecidas em impensadas associações.
 
Humberto Hermenegildo e eu estamos fazendo a sua Antologia Poética. A tarefa não é fácil, porque a dificuldade reside em escolher flores entre tão belas flores.
 
Como prometera a Carlos Newton Júnior, recebeu a “moça” Caetana com taças de vinho e partiu no fim da tarde. Deixou perdido o seu olhar azul, o tempo rememorado, desamparada a ternura, o sabor poético da vida. Verdadeiramente deixou a cada amigo acrescida solidão.
 

DIOGENES da CUNHA LIMA
26/05/2018