Coluna de GAUDÊNCIO TORQUATO
https://migalhas.uol.com.br/coluna/porandubas-politicas/339483/porandubas-n-702
Abro a coluna com uma historinha sobre o mestre Câmara
Cascudo, contada com a verve do presidente da Academia Norte-rio-grandense de
Letras, Diógenes da Cunha Lima, no livro "Câmara Cascudo, um Brasileiro
Feliz".
Exposição
Uma artista famosa reclamou a ausência de Cascudo na sua
exposição:
- Você não veio ver os meus quadros. Prometeu e não veio.
Esperei até tarde da noite.
- Não fui pela impossibilidade material de ver os seus
quadros. Ficaria olhando exclusivamente para você.
Vamos à análise política.
O estado do país
As coisas melhoraram em uma semana? Um pouco mais de
esperança irriga as veias sociais com a chegada das primeiras (e pequenas)
doses de vacina. E a má gestão da epidemia abate alguns pontos no ranking da
imagem positiva do governo. A querela entre Bolsonaro e João Doria sobre os
vencedores da "guerra da vacina" deu ao governador paulista alguns
pontos de vantagem. Mas o PNBF - Produto Nacional Bruto da Felicidade ainda
está muito baixo e não sinaliza expansão no curto prazo.
Adjutório emergencial
O auxílio emergencial continua na gangorra. Ora, sobe a
possibilidade de renascer sob a nova designação - Renda Brasil - incorporando o
Bolsa Família, ora desce com as referências crescentes ao teto de gasto. Paulo
Guedes está de olho no Tesouro e põe a boca no mundo ante a ameaça de se furar
o bloqueio imposto pelo teto. Mas a tábua de salvação de Bolsonaro foi e
continuará a ser o cobertor social. Sem ele, de corpos expostos aos impactos
das crises (sanitária, econômica, política etc), os contingentes mais carentes
abrirão o berro. E nenhum governante se elege ou se reelege sem o apoio das
massas.
Barbárie
Nesses tempos de pandemia, resta esperança de voltarmos
aos tempos da convivialidade, quando a solidariedade, o respeito ao próximo, o
exemplo do bom viver nos envolvia? Ortega y Gasset, há 95 anos, quando começou
a escrever "A Rebelião das Massas", parecia já não acreditar no homem
fraterno. Enxergava a barbárie, a incivilidade, o homem-massa, em quem via o novo
protagonista da vida pública. E lembrava Hegel, apocalíptico: "sem um novo
poder espiritual, nossa época produzirá uma catástrofe". E também apontava
para Nietsche berrando num penhasco de Engadine, na Suíça: "vejo subir a
preamar do niilismo".
Academia I
Mas a Humanidade sempre encontra no meio do deserto de
ideias uma fonte para saciar a sede do saber: os centros e espaços da ciência e
da cultura, onde as descobertas estendem os limites da vida humana. No campo
das artes, das letras e da cultura, emergem, por exemplo, as academias, essa
bela herança que os gregos antigos nos deixaram. Sócrates andava pelas ruas de
Atenas, dialogando e tentando se descobrir: "só sei que nada sei".
Platão, seu maior discípulo, formou o "Jardim de Academus". Academia
vem daí. Aristóteles deixou também seu "Liceu", onde praticava a arte
da educação.
Academia II
E, desde então, as academias se espalharam. No caso das
Academias Literárias, adotamos o modelo francês, criação de Richelieu em 1635,
organizada com número fixo de membros e patronos, com vitaliciedade acadêmica.
A teia das academias se espalhou pela Europa. Por aqui, uma ganhou muita
importância, a Academia Real da História Portuguesa (1720 - 1776), em Lisboa.
Em março de 1724, na cidade de Salvador, Bahia, fundou-se a "Academia dos
Esquecidos". Em junho de 1759, um grande intelectual, José Mascarenhas
Pacheco Pereira Coelho Melo, fundou a Academia dos Renascidos. Pombal mandou
então "sepultá-lo vivo". A barbárie voltava. Até que em 1894, foi
fundada a Academia Cearense de Letras, três anos antes da Academia Brasileira
de Letras, criada em 20 de julho de 1897.
A academia potiguar
E aí chegamos à ANRL, a academia do meu torrão potiguar,
criada em 1936, por inspiração e iniciativa de um grupo de amigos, liderados
por um dos maiores gênios da cultura brasileira, Câmara Cascudo. Seu
contemporâneo, o também fundador Onofre Lopes, o chamava de "nossa mais
antiga universidade". Nesse ciclo de pandemia, que se alimenta de
desinformação, mentiras (fake news) e falsas versões, devemos enaltecer os
espaços onde se cultuam valores nobres, como a pluralidade das ideias, a
elevação das letras e das artes, a promoção do saber, o convívio com perfis que
emolduram a galeria da grandeza de um Estado.
Murilo
Reverencio a memória do querido amigo Murilo Melo Filho,
um potiguar que representou a nossa terra na Academia Brasileira de Letras, um
mestre do jornalismo, com suas célebres entrevistas na revista Manchete, com a
cobertura de grandes eventos internacionais, com seus livros e com seu amor ao
torrão potiguar.
Encontro com a emoção
Esta semana tive oportunidade de mergulhar profundamente
no poço da emoção. Fiz um mergulho no Museu do Sertão, em uma surpreendente
viagem virtual, onde me deparei com coisas da minha infância em Luis Gomes:
cerca de 3 mil pec¸as distribuídas em 11 pavilhões temáticos, abrigando casa de
taipa, mobília típica, pátio de artes ao ar livre, plantas, objetos e
utensílios do semiárido nordestino, implementos agrícolas, equipamentos e
máquinas das agroindústrias do passado (casa de farinha, engenho de rapadura,
alambique de cachac¸a, oficina de carne de charque, cozinha de queijo de coalho
e de manteiga de garrafa, descaroc¸ador de algodão, casa de beneficiamento de
cera de carnaúba, usina de preparação de óleo de oiticica, galpão de
beneficiamento de fibra de caroá, galpão de preparo de borracha de manic¸oba e
sala de fiar e tecer. P.S. Meu pai tinha bolandeira (casa de farinha), engenho
(rapadura, alfenim) e comercializava algodão.
Um obstinado professor
A fundação e a manutenção desse Museu se devem a um
obstinado cearense, o professor Benedito Vasconcelos Mendes, (que foi colega de
escola de Belchior, falecido), quando chegou a Mossoró, na década de 70, para
ensinar na Escola Superior de Agricultura, hoje UFERSA - Universidade Federal
do Semi-Árido. Aberto ao público em 3 de agosto de 2003, por ocasião dos 58
anos do mestre Benedito, mantido com seus proventos do professor, o visitante,
para entrar, leva um kg de alimento não perecível, destinado ao Lar da Criança
pobre de Mossoró.
Uma aula magna sobre o semiárido
Uma obra admirável sobre o homem e a cultura do semiárido
e um empreendimento de inestimável valor social. Assim se deu meu recente
reencontro com a querida cidade, onde estudei no Seminário Santa Terezinha,
dirigido por padres holandeses, do preliminar ao último ano do ginásio. Desde
cedo tive contato com latim e grego. Obrigado, professor Benedito, também pelas
interessantes aulas sobre Civilização da Seca e Religiosidade. Tenho aprendido
muito com suas palestras virtuais e exposições. O sertão decifrado. Um modelo
para outros Estados.