SAUDAÇÃO
DE DIOGENES DA CUNHA LIMA
AO ACADÊMICO DORIAN GRAY
26 de setembro de1986
Permitam-me, senhoras e senhores, misturar as tintas para
matizar esta noite de azul. Falo sobre e ao lado de quem vive a arte como
ofício.
Os serviços são ofícios, humildes ou nobres, mas ofícios.
Cada vez mais a ciência e a tecnologia são apropriadas, e são ofícios. Mas a
arte, pura, inteligente, e até mesmo erudita, em nosso meio, resiste em ser
lazer, entretenimento hora do nada-mais-importante-a-fazer. A arte é o ofício
nobre quando vivida com intensidade e ternura como acontece com Dorian Gray.
Dorian Gray Caldas teve Eloi como pai, cedo perdido, e a quem diria em poema:
O difícil ofício
Dos adultos.”
Foi difícil, mas aprendeu. É adulto no viver da arte e na
arte de viver. O nome da mãe, Ninfa, já lhe testemunha a destinação poética.
Entra na Academia quando faz o Jubileu de Prata da sua poesia publicada. O
livro é “Os Instrumentos do Sonho”, 1961. Faz também poesia plástica em
tapetes, é pintor, escultor, ceramista e gravador. Todos os dias Dorian inova,
cria, recria, produz beleza porque este é o seu ofício.
Não posso ver Dorian sem me lembrar de azuis e de marinhas.
O mar e o azul estão nas suas retinas, nos esconderijos do seu cérebro e são
despertados e conquistados pelo movimento de suas mãos hábeis. Quando menino,
já poderia dizer à maneira do poeta espanhol Miguel Hernandez.
As marinhas do nosso escritor são o mar domado, conquistado pela
sedução da beleza calma:
“Uma calma
Que o mar pões nos olhos
Dos velhos marujos.”
A teoria literária sempre tem aliado a poesia à música, ao
canto, à dança. O ritmo como origem, a poesia deve ser música, som e audição.
Esta é a corrente maior, mais forte, dominadora da maioria. Miguel de Unamuno
elevou a tese proposta de que a poesia é arquitetura, construção.
Tridimensional. No Brasil, o grande doutrinador é João Cabral de Melo Neto,
poeta seguidor deste liame, de construção. Para mim, Dorian Gray não aliou a
sua poesia à música e nem à construção, mas à pintura, sombra e luz, terceira
dimensão apenas como perspectiva. Nosso mestre, Acadêmico Américo de Oliveira
Costa, já notara:
“Há como que uma corrente de
vinculações e identificações, uma espécie de simbiose, um sistema de vasos
comunicantes, entre o verso e o desenho, que os fizeram completar-se,
naturalmente, como as faces de um díptico”.
E Pedro Simões:
“Uma poesia plástica. Como conseguisse
transpor para a palavra escrita o preto e o branco do desenho,negando-se a
denunciar o grande colorista que navega as marinhas azuis...”
Até quando ele descobre um adjetivo para a palavra “canto” não é na música que ele vai buscar “claro” e o poeta diz: “Canto um canto
claro”. E depois: “deponho um canto antigo no azul”.
O poeta vê também “azul nas pontes desoladas” e “azul em mim
entardecido”. Até a condição maior de existir é apresentada como “os claros e
escuros da vida”.
O sempre surpreendente e homem bíblico, Acadêmico Sanderson
Negreiros que é também Deodato (dado por Deus), anotou:
“Pintor de marinhas, é um dos que
melhor neste País, souberam ver, transfigurar, rever e modificar o grande
mar-nordestino e do mundo -, que estreita, como cão dormindo no horizonte, o
sentimento que nos faz adivinhar o mistério e consumi-lo como garantia de
sobrevivência, a que nos deverá ligar à vida que virá depois da morte”.
E o seu colega também no sentido marinheiro, Acadêmico Newton Navarro pontificou:
“Quantas vezes diante do mar o seu
pincel descobre matizes que facilmente outro pinto não descobriria! Pinta e o
mar passa inteiro para as suas telas”.
Dorian, homem da terra, natalense profissional, tem mercado
garantido fora daqui. Os seus trabalhos podem ser encontrados no Banco do
Brasil em Brasília, ou na sua agência de Zurique, Suíça. Um Engenheiro do
Ceará-Mirim foi transportado à coleção da Casa Branca. Imaginem a emoção que
tive ao deparar-me com a tapeçaria de Dorian Gray no Ministério de Ciência e
Tecnologia de Bonn na Alemanha. Ou que teria um natalense ao visitar o Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington. Suas obras já foram adquiridas
para vários museus.
Estamos recebendo o escritor, o poeta autor de “Padre
Miguelinho: vida e morte”, nosso herói principal e, mártir, revalorizado pelos
desenhos e pinturas de Dorian.
O seu livro “Poemas para Natal em Festa” são exaltações da
nossa terra e gente, com maestria e domínio do verso.
Lendas do Rio Grande do Norte são mais do que as nossas
lendas, são também os mitos, enriquecidos pela força poética.
Canto Memória é o livro de força e solidão, paisagens,
homens e lembranças, dignas de serem reinventadas, pelo nosso artista.
Senhores Acadêmicos.
Seja-me permitido, como o homem é o mesmo, que eu me repita
em linguagem de 1964:
Sua arte surge: poemas, tapetes, pinturas a óleo, gravuras,
esculturas, bicos de pena. Todos poemas. São o instrumento de sua comunicação
com o público cada vez maior. Personalidade, gente de bom gosto, artistas,
colecionadores, daqui e do estrangeiro, incluem Dorian Gray na sua riqueza.
Muitos não conseguem comprar os trabalhos de Dorian Gray. Ainda que ele seja
disciplinado infatigável.
Dorian Gray reabilitou, revalorizou o nome famoso. Que não é
pseudônimo. Outros ainda lhe farão por retrato, verdadeiro, viril, criador, que
engrandece a nossa cidade.
Dorian, meu querido, seja bem-vindo ao convívio desta
Academia criada por um sábio – Luís da Câmara Cascudo. Tenha forte participação
nos trabalhos acadêmicos. Esta noite está mais colorida de azul pela sua
emoção. Esta casa estará mais azul, também no sentido popular da palavra.
Feliz.