Zila Mamede é das mais
importantes poetas do Brasil. A sua perfeição poética, de forma e invenção, não
é menor do que a de Cecília Meireles, Adélia Prado ou Hilda Hilst. Os seus
poemas foram elaborados com engenho e arte. Contudo, não ganhou fama nacional,
ainda que reconhecida e altamente admirada por nossos grandes poetas. Entre
eles estão: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo
Neto, Geir Campos e Carlos Nejar. Para definir a excelência de sua atuação,
podemos parodiar Camões: “Não lhe faltou na vida honesto estudo, com longa
experiência misturada, nem engenho e arte que ali vereis presente, cousas que
juntas se acham raramente”.
Zila foi ícone da
biblioteconomia, proclamou Edson Nery da Fonseca. Ela conferiu dignidade à atividade
pelo rigor científico no exercício profissional da difusão, qualidade advinda
do seu seletivo conhecimento literário. Como bibliotecária, orientava as
colegas e os leitores. Quando dirigia a biblioteca do Atheneu
Norte-rio-grandense, perguntei-lhe o que deveria ler de bom para a minha formação
literária. Respondeu: Machado de Assis. Qual livro? Todos. Li, um por um, a
coleção de trinta e um volumes. Até hoje é, para mim, prazer da lembrança e referência
básica.
A ela devemos a
organização da Biblioteca Central da Universidade Federal, que hoje tem o seu
nome, e a estadual Câmara Cascudo, infelizmente paralisada.
Na praia do Pina, no
Recife, viu o mar pela primeira vez. Teve a sensação de que o mar iria virar,
emborcar e a engolir. E tinha razão no pressentimento.
Chamou de “Navegos” a
reunião, verdadeiramente antológica, dos seus poemas com muitas poéticas
marinhas.
Devota de Santa Luzia, no
dia a ela consagrado, em um 13 de dezembro, saiu da sua residência no edifício coincidentemente chamado “Caminho do Mar”
para ir à praia do Forte. Não se sabe como, mas seu corpo navegou por sobre os arrecifes, atravessou o Potengi e aportou na
praia da Redinha. O mar que fora o seu mais sensível tema, foi para ela arrebatamento,
fascinação, fantasia, êxtase.
O corpo intacto, identificado
por amigos, entre os quais a escritora Eulália Duarte Barros, estava coberto de
sargaço. No seu poema “Mar Morto” está: “Parado, morto mar da minha infância /
sem sombras e nem lembranças e sargaços” e ainda: “Num mar sem brilho, vago,
indefinido / onde não há nem sonhos navegando”.
Já em “Canção do
Afogado”, ela arremata: “Cabelos de musgos / lavados de espumas / caminha o
afogado / que o mar conquistou”.
Sanderson Negreiros disse
que Zila ensinou-lhe poesia. Também a nós que, chorando, conduzimos o seu
caixão no cemitério do Alecrim. Estavam comigo Luís Carlos Guimarães, Dorian
Gray e Pedro Coelho, os quatro por ela apaixonados. Relembramos o seu soneto “Mãos
Aquáticas”: “Nuvens sugerindo naus costeiras / em rumos disfarçados por
velório”.
Zila não gostava de
dizer-se poetisa. Poderia dizer, com Cecília que cantou porque o instante
existe e a sua vida estava completa: foi Poeta.
A obra da Poeta do Mar
não é transmitida e nem estudada nas escolas, não ganhou a merecida dimensão
nacional. Mas, não pode ser esquecida neste Rio Grande, estado em que desejava
ter nascido e ao qual legou o melhor da sua organização literária e a sua
criatividade poética.
DIOGENES DA CUNHA LIMA
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