quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

TRISTE FIM DA POETA DO MAR




Zila Mamede é das mais importantes poetas do Brasil. A sua perfeição poética, de forma e invenção, não é menor do que a de Cecília Meireles, Adélia Prado ou Hilda Hilst. Os seus poemas foram elaborados com engenho e arte. Contudo, não ganhou fama nacional, ainda que reconhecida e altamente admirada por nossos grandes poetas. Entre eles estão: Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Geir Campos e Carlos Nejar. Para definir a excelência de sua atuação, podemos parodiar Camões: “Não lhe faltou na vida honesto estudo, com longa experiência misturada, nem engenho e arte que ali vereis presente, cousas que juntas se acham raramente”.

Zila foi ícone da biblioteconomia, proclamou Edson Nery da Fonseca. Ela conferiu dignidade à atividade pelo rigor científico no exercício profissional da difusão, qualidade advinda do seu seletivo conhecimento literário. Como bibliotecária, orientava as colegas e os leitores. Quando dirigia a biblioteca do Atheneu Norte-rio-grandense, perguntei-lhe o que deveria ler de bom para a minha formação literária. Respondeu: Machado de Assis. Qual livro? Todos. Li, um por um, a coleção de trinta e um volumes. Até hoje é, para mim, prazer da lembrança e referência básica.

A ela devemos a organização da Biblioteca Central da Universidade Federal, que hoje tem o seu nome, e a estadual Câmara Cascudo, infelizmente paralisada.
Na praia do Pina, no Recife, viu o mar pela primeira vez. Teve a sensação de que o mar iria virar, emborcar e a engolir. E tinha razão no pressentimento.

Chamou de “Navegos” a reunião, verdadeiramente antológica, dos seus poemas com muitas poéticas marinhas.

Devota de Santa Luzia, no dia a ela consagrado, em um 13 de dezembro, saiu da sua residência no edifício coincidentemente chamado “Caminho do Mar” para ir à praia do Forte. Não se sabe como, mas seu corpo navegou por sobre os arrecifes, atravessou o Potengi e aportou na praia da Redinha. O mar que fora o seu mais sensível tema, foi para ela arrebatamento, fascinação, fantasia, êxtase.

O corpo intacto, identificado por amigos, entre os quais a escritora Eulália Duarte Barros, estava coberto de sargaço. No seu poema “Mar Morto” está: “Parado, morto mar da minha infância / sem sombras e nem lembranças e sargaços” e ainda: “Num mar sem brilho, vago, indefinido / onde não há nem sonhos navegando”.

Já em “Canção do Afogado”, ela arremata: “Cabelos de musgos / lavados de espumas / caminha o afogado / que o mar conquistou”.

Sanderson Negreiros disse que Zila ensinou-lhe poesia. Também a nós que, chorando, conduzimos o seu caixão no cemitério do Alecrim. Estavam comigo Luís Carlos Guimarães, Dorian Gray e Pedro Coelho, os quatro por ela apaixonados. Relembramos o seu soneto “Mãos Aquáticas”: “Nuvens sugerindo naus costeiras / em rumos disfarçados por velório”.

Zila não gostava de dizer-se poetisa. Poderia dizer, com Cecília que cantou porque o instante existe e a sua vida estava completa: foi Poeta.

A obra da Poeta do Mar não é transmitida e nem estudada nas escolas, não ganhou a merecida dimensão nacional. Mas, não pode ser esquecida neste Rio Grande, estado em que desejava ter nascido e ao qual legou o melhor da sua organização literária e a sua criatividade poética.
        

DIOGENES DA CUNHA LIMA






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