quarta-feira, 2 de agosto de 2017

HOMILIA DO PADRE JOÃO MEDEIROS





MISSA DE OITENTA ANOS DE DIÓGENES DA CUNHA LIMA


“Os dias de nossa vida chegam aos setenta anos, e os mais abençoados atingem os oitenta. Celebremos bem, pois tudo passa rapidamente”, proclama o salmista (Sl 90,10). Um dos maiores teólogos da Igreja, Santo Agostinho, aconselhava aos cristãos de Hipona que “festejassem cada ano de sua existência, pois ela é o dom supremo de Deus e cada década vivida é uma graça inefável”. Muitos séculos depois, proclamou o poeta brasileiro: “... [a vida] é um divino mistério profundo, é o sopro do Criador numa atitude repleta de amor”! Na verdade, a reverência pela vida digna é a forma mais alta de oração.

Como saudar o aniversariante de hoje? Professor, doutor, reitor, advogado, escritor, poeta? Não obstante todas as suas virtudes e sapiência, prefiro ficar com o poeta, pois sempre acreditei que cada vate seja um mensageiro do Absoluto, um anjo do Eterno na terra dos homens, pulsação do Sagrado nas veias do tempo. A poesia ultrapassa a linguagem, a semântica humana e os códigos linguísticos, à semelhança de Deus, o sempre Transcendente, mas que se faz imanente e tangível pela prece ou oração, que é a forma perfeita e absoluta da poesia.

Sou um temporão dentre os amigos de nosso aniversariante. Aqui e agora, relembro as palavras de Carlos Drumonnd de Andrade, referindo-se a Luís da Câmara Cascudo: “Tarde demais cheguei para o convívio e a amizade do mestre potiguar”.

Caro Diógenes, não tenho a inspiração do itabirano, tampouco a beleza e elegância literária de João Cabral de Melo Neto, quando ambos saudaram Manuel Bandeira, por ocasião dos seus oitenta anos. Sou simplesmente um cura de aldeia. Sei apenas, como uma criança, balbuciar algumas preces, elevando-as, em forma de gratidão, a Deus, onipresente na beleza do sol e da lua, na sonoridade da música e no perfume das rosas, no ar, no mar, no céu e na terra. Nesta data tão especial, entre cumprimentos e homenagens, digo-lhe: Viva plenamente a vida, como pegadas do Divino na história humana. Ela é presente do Céu, não em termos de cronologia, mas sobretudo em forma de dádiva. O tempo avança célere e inexoravelmente e vai devorando nossos sonhos e levando as pessoas e coisas que amamos. Segundo a mística Santa Teresa d´Ávila “tudo passa, só Deus não muda... No entardecer da vida permanece apenas o amor, que é o nome verdadeiro de Deus”. Embale a sua poesia, pois ela é como as asas da alma e a “servidora da esperança”, disse-nos Adélia Prado. Deus amar-nos-á, fazendo-nos ricos e fecundos como os regatos e as árvores, “dando-nos o verdor e o florir de sua primavera e um rio aonde ter, quando acabamos” (A. Caieiro).

Não ouso descrever a profícua caminhada de Diógenes, pois não seria este o momento mais adequado para tal. Louvo o cristão e o homem de fé, protegido desde o instante do seu nascimento, com a intercessão e as bênçãos da Senhora Sant´Ana, que o colocara aos pés de sua filha, a Imaculada Conceição, padroeira de Nova Cruz. Na Igreja dedicada a Nossa Senhora, perto do Rio Curimataú, junto à Virgem Santíssima, na missa celebrada por Monsenhor Pedro Moura, aprendeu nosso aniversariante a pronunciar o salmo do encantamento da vida e do louvor ao Pai Celestial: “Introibo ad altarem Dei. Ad Deum qui laetificat juventutem meam”. Sim, irei ao altar de Deus, do Deus, que alegra a minha juventude. Hoje, sinto no pulsar de meu coração que, nos jardins floridos e poéticos da eternidade, Dom Nivaldo Monte, “O Semeador da Alegria” dirige-se a Padre Normando Pignataro Delgado, o qual vislumbrava a “Florada do Pau d´arco” e lhe diz: “Nêgo véio”, vamos puxar o badalo do sino de Extremoz e cantar para Diógenes o solene Te Deum, neste dia de festa, glória e alegrias.

Voltemos a Sant´Ana. Creio que ela inspirou a vida de nosso homenageado, cujo nome seria Ana, se a criança nascitura fosse uma menina. Podemos perceber que na iconografia religiosa cristã e católica, a Mãe de Maria apresenta-lhe as “Tábuas da Lei”, ou seja, a Torá. Não terá sido a Avó de Cristo, que incutiu ou alimentou em Diógenes a paixão pela ciência jurídica?

Para diferenciar a Mãe de Nossa Senhora, de outra Ana, denominada na Bíblia de profetisa, os Evangelhos Apócrifos chamam a esposa de São Joaquim de “Ana poetisa” pela magnitude e beleza do seu ventre, que encarnou Maria, o rosto materno de Deus. Maria Imaculada, Mãe de Cristo é o mais belo de todos os poemas, nela o céu invadiu a terra, o Eterno se fez tempo e Deus habitou o planeta dos homens. E isto só é explicável no âmago do mistério divino, inesgotável e permanentemente poesia de Deus. Imagino que foi Ana, a poetisa que concedeu também a Diógenes o dom e a inspiração para os versos e rimas.

“Que retribuirei ao Senhor, por tudo o que Ele me tem dado? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o seu nome” (Sl 116, 12), canta o salmista. Assim, estamos fazendo neste momento eucarístico, quando agradecemos a Deus a caminhada de bênçãos e graças de nosso irmão.

Pode parecer insólito, caro amigo, externar agradecimentos laicos nesta homilia. Mas, hoje queremos exaltar o seu contributo à história e à cultura do Rio Grande do Norte e do Brasil, ao longo de sua existência. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a Fundação José Augusto, a Secretaria de Estado da Educação e da Cultura, a Consultoria Geral do Estado, a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, menina dos seus olhos, o Conselho Estadual de Cultura e o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras muito lhe devem e rendem suas homenagens. Obrigado, irmão, pelos que se esquecem de agradecer; pelos que não sabem agradecer; e até pelos que não querem agradecer. Como cristão e ministro de Deus, quero proferir um agradecimento especial, pelo seu amor à Igreja de Cristo e, mormente, pela sua fé que o traz aqui, aos pés de Nossa Senhora da Apresentação, um dos incontáveis oragos de Nossa Senhora, que o abençoou na pia batismal de Nova Cruz e lhe sussurrou: Vá cuidar de um baobá para que os meus filhos se lembrem de que a sua vocação é se tornar uma árvore frondosa e não se esqueçam de elevar as mãos para o céu, ao contemplarem a beleza das flores, das plantas e a exuberância da natureza. Portanto, não devemos esquecer que o belo é a sombra de Deus no mundo. O baobá é também símbolo e metáfora do ser humano, que, segundo a Ode de Horácio, deve “ter os pés fincados no chão e os olhos elevados para o Infinito”. Que você seja sempre abençoado pelo Pequeno Príncipe, (aqui, não o da criação do escritor francês), a Alteza e Realeza do Presépio, tão pequeno, tão terno e tão doce, a eterna poesia de um Deus.

Parabéns, Diógenes! Que, neste dia tão marcante e solene de sua vida, você guarde Deus dentro de si. Assim, rezaremos de modo especial nesta missa. Que a paz povoe o seu coração e a plenitude da graça divina encha a sua alma. Ângelus de Silesus, teólogo alemão do século XVII, chegou a dizer que “Quem não tem o paraíso dentro de si, dificilmente encontrá-lo-á, fora”.

Você conhece a minha timidez e simplicidade. Assim sendo, pedi que o abençoasse o Santo Padre, o Papa Francisco, cuja misericórdia, bondade e doçura são fagulhas vivas da deslumbrante poesia divina. Deus o abençoe, meu irmão e amigo!


Natal, Matriz de Nossa Senhora da Apresentação
26 de julho de 2017

Padre João Medeiros Filho






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