quarta-feira, 12 de outubro de 2016

SOMENTE A VERDADE





Se você ainda não leu José Paulo Cavalcanti, não sabe o que está perdendo. Em prosa ou em verso, ele atua como propulsor de energia espiritual.
            
É preciso valorizarmos os bons autores contemporâneos, principalmente os da nossa região, pois, na ligeireza da época, vence a cultura da vulgaridade, massificada incultura faz valer essa subliteratura.

Se Deus quiser, José Paulo e sua admirável Letícia (ambos da Academia Pernambucana de Letras) receberão, no dia 14 de novembro, o título de Sócio de Honra da nossa Academia, outorgado em Assembleia Geral. A distinção será entregue na sessão solene comemorativa dos 80 anos da instituição.

O escritor e jurista J.P.C (F) com o seu filho completam a terceira geração de advogados que visam à essência da justiça, comprometidos com a ética. Os dois estudaram na Universidade de Harvard, Sérgio fez especialização em cyberlaw. Lembram Carnelutti: “vamos dizer as coisas como as coisas são. Quase igual é o mesmo que diferente”.

Otimista ameno, a vida de J.P.C. é de conquistas. O ex-ministro da Justiça é consultor da Unesco e do Banco Mundial. Integrou a famosa Comissão da Verdade. Dizem as boas línguas que ele, convidado pelo Presidente da República, escapou de ser ministro do Supremo Tribunal Federal. Dizem as más línguas que ele mandou fazer a roupa da posse, mas foi preterido por exigência demagógica. Não tem um claro pré-requisito de nascença.

Com Fernando Pessoa, “Uma Quase Autobiografia”, Livro do Ano da Academia Brasileira de Letras, obteve disputados prêmios, entre os quais o Jabuti. O livrão, mais de 700 páginas, parece ter sido psicografado por novo heterônimo do poeta. Publicado em Portugal, já é um clássico também no Brasil.

Por último, publica “So Mente a Verdade, que vai virar seriado da Globo e está traduzido em várias línguas. São 21 contos, composição que homenageia Neruda, lembrando “Vinte Poemas de amor e uma canção desesperada”. Lendo, você vai encontrar muito amor e pouco desespero, e tudo o que foi prometido, ou seja, mistério, misérias, o inesperado, o trágico, o sublime, sobretudo você vai experimentar o espanto. Convivências do bom humor como antídoto das fundas tristezas, incontidas emoções, desconsolo que não chega à desesperança, mas à final exultação.

Os relatos não guardam a tradicional estrutura dos contos. Em conteúdo e forma, Zé Paulo renova, moderniza, inova. Por exemplo, coloca o pico emotivo não no final, mas no meio do conto. Veste a real idade observada, como Consultor, com leveza literária, faz do episódio parceiro da imaginação. Arranca personagens da beira do abismo, ou mesmo, alguns que habitam o abismo.

É possível sentir o sorriso trágico que eleva o sofrimento integrado à apologia do ser humano. Por vezes, põe dúvida nos acontecimentos, deixando que o leitor decida. Porque se trata de A Verdade Mente So Mente Aparentemente.

Ninguém pode mudar uma vírgula do texto, até porque o autor não gosta de vírgulas. Inova colocando-as, adequadamente, depois do ponto de interrogação: de fato, onde termina a pergunta. O escritor prefere o ponto para afastar ambiguidades, dar relevo à frase, fluidez e ritmo marcantes.

Esses contos são novelas ou romances in fieri. Lá estão os elementos sugestivos das longas ficções. Na economia verbal, iluminam nossas perplexidades, devolvem a visão do trágico cotidiano, com lições que nos podem exaltar. Afinal de contas, importa celebrar, permanentemente, a gloriosa epifania da existência.

Por outro lado, os gregos antigos amavam o teatro, as tragédias e se edificavam.

Shakespeare põe na boca de personagem em “Trabalhos de Amor Perdidos”: “vive vida longa quem tem o coração leve”. É com essa leveza que o contista, como consultor jurídico, observa a vida. Distingue de uns o pensamento dominante, os que buscam tranquilizar a consciência, os que agem não pelo que aparentam mais por inconfessada razão, as surpresas do comportamento humano.

Para tanto, o autor usa a gostosa linguagem nordestina. Assim, leitor, você fará breve hospedagem literária em casa pernambucana e verá na sala, flores num jarro, mais, na mesa pé de moleque, bolo de rolo e queijo de coalho.

Como tudo acaba, o final do livro é pura memória, sem imaginações: Uma canção desesperada, pela saudade: morte do amigo.





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