Os livros, papiros, pergaminhos, escritos do passado são
testemunhos da memória coletiva e, como tal, de uso comum, patrimônio cultural
da humanidade. A sua supressão deve ser julgada como crime contra a humanidade.
Muro, na realidade ou na ficção literária, é isolamento,
separação, desmembramento, sugere desavença, serve à morte, lembra o triunfo da
morte.
Jorge Luís Borges nos conta, com o título deste artigo, a
história do imperador (Qin) Shi Huangti que, em 220 a.C. mandou construir a
Muralha da China e queimar todos os livros que existiam antes do seu governo. O
baluarte era apenas uma demonstração de poder, desnecessário porque a China não
tinha então inimigos poderosos. A lembrança do texto borgeano veio da
declaração feita pelo candidato republicano à Presidência dos EUA, segundo o
qual, se eleito, irá mandar fazer um muro na fronteira com o México. A linha
fronteiriça, de San Diego a Brownsville, mede 3.141 quilômetros. A nova muralha
atravessaria altitudes e depressões, rios e desertos.
Parece que o magnata ilusionista e autoiludido quer o
isolamento, o império americano, visualizado com o país vizinho. Sentir-se-ia
ele capaz de, em tudo, imitar o imperador chinês? A tendência da globalização
não são as construções digitais? À época, a Grande Muralha tinha cerca de 3 mil
quilômetros. Hoje é atração turística, continua a não servir de defesa.
Dois muros deixaram triste memória no século vinte El Paredón cubano, onde foram fuzilados
milhares de adversários políticos, mais famoso ainda é o Muro de Berlin. A
União Soviética desejava impedir evasão para o mundo capitalista. Nas tentativas
de fuga, centenas de mortos e feridos, mas valeu para a conquista da liberdade.
O “Muro da Vergonha” durou 28 anos até ser destruído em 1983.
Potiguares, temos também lembranças desse muro. Fizemos
pequeno curso de administração em Berlim e quisemos conhecer o outro lado.
Mesmo em rápida visita, lá pude notar o ar severo e contraído das pessoas,
comparadas à descontração e bom humor dos outros alemães. Na volta tivemos dois
episódios de tensão: sisudez e gentileza. O ônibus de turistas fica detido entre
a barreira de alvenaria e a cerca de arame farpado. Cães pastores amestrados
farejam. Guardas com eloquentes metralhadoras sobem ao veículo. Um dos
militares, branquíssimo, examina os passaportes, confere dados, a cara com o
retrato. Um vizinho, nordestino, vasculha os bolsos e demora a encontrar o
documento. O guarda, impaciente, fala alto, rascante, gesticula. Fazendo graça,
o pernambucano responde: “calma chupareia! Calminha aí, chupareia!”. De medo,
engoli o sorriso, enquanto era feita a identificação.
Na volta à Berlim sitiada, o meu amigo Genibaldo Barros
angustiou-se: havia perdido o passaporte. O ônibus ficou parado na fronteira
pela solidariedade dos companheiros de viagem, menos um que exigia a imediata
liberação. A aflição aumentando, de súbito, chega correndo uma moto e um gentil
guarda devolve a identidade encontrada. Alívio e aplausos.
Em Berlim, restava a lembrança de que os líderes nazistas
fizeram fogueiras de livros. Borges ironiza: “Queimar livros e erigir
fortificações é tarefa comum dos príncipes” e, referindo-se ao antigo império:
“Talvez a muralha fosse uma metáfora...” uma obra tão torpe e tão inútil.
O último republicano presidente dos EUA, George W. Bush,
inventou uma guerra contra o Iraque por imaginar que o ditador Sadan Hussein
poderia chegar a ter bombas atômicas. Como todas elas, a guerra foi uma
tragédia que continua. No plano cultural, a Unesco comprovou que a Biblioteca
Nacional de Bagdá sofreu destruidores ataques de bomba e mísseis, tablita das
vitrines desapareceram.
A inquisição, em nome de Deus, queimou livros preciosos.
O Reino Unido está fazendo em Calais, na França, um muro
para conter refugiados emigrantes pelo Canal da Mancha.
Consideremos, pois, a que pode levar a agressividade e a
imaginação de um chefe da mais poderosa nação do planeta. Ser ou não ser, é a
questão.
Vivemos o processo da quarta Revolução Industrial,
caracterizada pela mobilidade e conectividade, o que indica parcerias, uma
coexistência mais alta e fraterna.
Diferentes somos todos, mas também todos somos um, a raça
humana, que deseja mais livros e menos muros.
Diogenes da Cunha Lima
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