quarta-feira, 29 de julho de 2020

NOSSA CIDADE NATAL




Natal nasceu cidade. Nunca foi arrabalde, vila, aglomeração. Nasceu no dia do nascimento de Cristo, daí o seu nome. Tem uma história simples, porque foi mais uma designação política ao seu nascimento do que uma necessidade topográfica. Assim, tem uma história simples e emocional.

A sua paisagem garante a imutabilidade do afeto. De um lado, o rio perene; do outro, a cinta dos morros verdes que até 1915 eram completamente desertos.

Na minha meninice, Natal era uma cidade de 30 mil habitantes, iluminada por 90 candeeiros de querosene, sem transportes, dividida em dois grandes bairros; a Cidade Alta e a Cidade Baixa, ou seja, a Cidade Alta e a Ribeira. Os habitantes da Cidade Alta eram os xarias, os moradores da Cidade Baixa eram os canguleiros. Eu sou canguleiro.
Como ainda pertenço ao século XIX, sou testemunha do desenvolvimento muito rápido da cidade, especialmente depois de 1930, quando foi chamada de “Cais da Europa”. Natal era o ponto mais perto do continente europeu, daí a necessidade militar de defendê-la. Povoou-se de soldados, marinheiros e aviadores. Nessa época estavam por aqui Gustavo Cordeiro de Faria, no Exército; Ari Parreiras, na Marinha; Eduardo Gomes, na Aeronáutica.

Mas em 1911 já tinha luz elétrica, telefone, bondes elétricos e oito bondes puxados a burro.

A cidade foi se multiplicando com duas escolas, três, hoje, uma Universidade com 50 cursos povoam-na de uma euforia de conhecimentos. Logo em Lagoa Nova, onde eu caçava nambus com Flaubert, quando não havia nada naquela zona.

Natal. Chamo-a Noiva do Sol, cidade sem tempestades. Cidade clara e simpática.

Monteiro Lobato me dizia: “Sua felicidade é ter nascido numa cidade pequena, que cresceu com você, e daí o seu amor”. Quem nasce numa cidade grande, como o Rio de Janeiro, Paris, Londres, Berlim, não pode ter uma recordação como quem tem numa cidade pequena. Os lugares onde dancei, hoje são arranha-céus. O lugar mais alto de Natal, o ponto mais alto do meu tempo, era a Torre da Matriz, onde eu via o alvissareiro com as bandeirinhas azul e vermelha avisando a vinda dos navios do Norte e do Sul.

Natal, Noiva do Sol, minha cidade querida, deu-me o sempre esperei: a tranquilidade do espírito, a paz do coração, o amor pelas coisas humildes do mundo, no meio das quais sempre vivi. Por amor à cidade, eu nada quis ser. Nem mesmo Senador, como Getúlio Vargas me queria fazer. Nem Reitor da Universidade de Brasília, como Juscelino Kubistchek pensava.

Fiquei em Natal, só, pobre e feliz. Sou o que Diógenes da Cunha Lima me chamou: um brasileiro feliz.”


LUÍS DA CÂMARA CASCUDO





Nenhum comentário:

Postar um comentário