O
PAÍS DO ACASO
Diogenes
da Cunha Lima
Muita gente, como eu, aprende na
escola que o Brasil foi descoberto por acaso, na Bahia, por Pedro Alves Cabral.
Negam as três informações, Lenine Pinto e outros bons historiadores. Cabral não
foi o primeiro, não errou a rota e o “Porto Seguro” seria no Rio Grande do
Norte.
Somos o país do acaso. De Cabral à
Cabral.
“O acaso é o pseudônimo de Deus
quando ele não quer assinar”, meu pai citava esta frase de Théophile Gautier (1811
- 1872), e dava exemplo. O povo contava uma lenda de Serra de São Bento. Lá,
era lugar de cangaceiros, bandidos que se refugiavam no alto serrano. Houve uma
grande seca e um missionário fez um sermão dizendo que se eles depusessem as
armas, Deus faria chover. Imediatamente o vento trouxe nuvens pesadas. O frade
levantou as mãos, orou e caiu um toró com direito a relâmpagos e trovões. Os
valentes, um a um, foram entregando facas santa-luzia, fuzis boca-de-sino,
espingardas, todo armamento ao frade. Ninguém sabia explicar o sumiço do missionário
e do armamento. Muitos e muitos anos depois, o monsenhor Pedro Moura resolveu
fazer um novo cruzeiro de frente à igreja. E quando foi chantar a nova cruz
apareceu soterrada uma velha arca cheia de armas enferrujadas. Obra do acaso, concluiu meu pai.
O acaso é também aquilo que não pode
ser medido pela ciência. Entretanto, são beneficiárias do acaso as ciências, as
artes, a literatura, a poesia, até a tecnologia.
Podemos dizer que é um fenômeno que
nós não percebemos a causa. É a incapacidade de prever com a absoluta certeza
um acontecimento. De fato, todo fenômeno tem uma causa determinante. Voltaire (1694
– 1778) doutrinava: “O acaso é uma palavra sem sentido, nada pode existir sem
causa”. Contudo, o acaso tem alguma coisa de nonsense, é um divino instrumento aleatório de desorganização
aparente. Muitas coincidências são deuscência.
D. Sebastião, rei de Portugal, um
rapazinho de vinte e quatro anos, resolveu fazer guerra ao Marrocos e levou
novecentos navios para a empreitada. Perdeu a batalha e a vida. Transformou-se
em mito da esperança messiânica. Já o Brasil foi o grande beneficiário. Felipe
II, rei da Espanha, neto de D. Manoel, o Venturoso, passou a reinar sobre a
União Ibérica. As colônias sul-americanas passaram a ter o mesmo comando. Sobretudo
graças aos bandeirantes, o nosso país, que era limitado pelo Tratado de
Tordesilhas, cresceu sem guerras e duplicou o seu território.
O acaso tem muita força!
Quem poderia imaginar que Napoleão
Bonaparte faria um grande benefício ao Brasil? O seu gênio militar e político
não detectou que estava sendo enganado por D. João VI, apoiado pela Inglaterra.
Face à invasão de Portugal por suas tropas o Brasil ganhou, em 1808, a corte
portuguesa. Sete anos depois, o nosso país transformou-se em reino e sede da
monarquia.
Jorge Luís Borges (1899 – 1986)
dizia ter conhecido a incerteza, desconhecida pelos gregos. Criou um conto
maravilhoso a partir da mitologia: “A Loteria da Babilônia”. Tudo nesse país,
controlado por uma secreta Companhia, seria determinado pelo acaso. Explica o
narrador: “Sou de um país vertiginoso, onde a loteria é a parte principal da
realidade”. Somos essa Babilônia? Naquele país imaginado as pessoas e as
instituições dependiam da sorte para a vida e para a morte. No começo,
sorteavam-se moedas de prata, o perdedor mereceria o desprezo popular ou a
cadeia. Havia grandes discussões de caráter jurídico-matemático. A direção da
Companhia manipulava o acaso, controlava até a natureza. A conclusão do conto é
que: “a Babilônia não é outra coisa, senão um infinito jogo de acasos”. Mesmo
assim, ninguém deveria perder as esperanças.
Temos que acreditar na sorte, em
nosso destino, mesmo em acontecimentos inexplicados ou inexplicáveis, porque
Deus não joga dados como concebia Alberto Einstein. Todas as coisas tem uma
lógica superior, um motivo de ser. O êxito ou a derrota estão também no agir
humano.
A Argentina sempre amou uma disputa
territorial, com as Malvinas, com a Inglaterra, na fronteira com o Chile ou com
o Brasil. Só que agora, por acaso, nunca poderia haver de enfrentar o Brasil.
Itaipu, que produz cerca de 25% da energia da região, desestimula qualquer
disputa. De fato, já se comentou que se abríssemos totalmente as comportas da
barragem, Buenos Aires seria paralisada. Ainda praticaria malefícios ao Brasil
e Paraguai. Por acaso, a construção de uma hidrelétrica transformou-se em uma
bomba hídrica.
O Brasil, historicamente, tinha uma
elite endinheirada que fazia ostentação, eram enormes passageiros do luxo
desmedido e da fatuidade. Eram dirigentes atuantes na política, nos sindicatos,
nas grandes empresas. Por acaso, surgiu de um posto de gasolina o nome da Lava Jato,
uma pequena operação policial a partir de interceptações telefônicas. Visava
apurar corrupção e lavagem de dinheiro. Essa operação desvendou o maior assalto
aos cofres públicos da história do planeta. Quase levou à falência a maior
empresa, orgulho do Brasil. Verificou-se que o crime estava disseminado,
corroendo organizações governamentais. Antigamente, dizia-se, que só iam para a
cadeia os três pês: pobre, preto e prostituta. Agora, em razão de um pequeno
caso investigado, magnatas estão na cadeia ou com tornozeleiras. Nos últimos
dias, dois ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos. Um deles, outro Cabral,
está na prisão, por acaso, na penitenciária que ele mandou construir.
Os passageiros da corrução e da
gastança de dinheiro fácil, por ser público, estão apavorados com o naufrágio.
Só que, como no caso do Titanic, a maioria não se salvará.
Estamos no país que busca da
aplicação ética na força do Poder Judiciário que sabe bem exercer a sua função,
aproveitando a vertigem do acaso.
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