segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O PAÍS DO ACASO





O PAÍS DO ACASO

Diogenes da Cunha Lima


Muita gente, como eu, aprende na escola que o Brasil foi descoberto por acaso, na Bahia, por Pedro Alves Cabral. Negam as três informações, Lenine Pinto e outros bons historiadores. Cabral não foi o primeiro, não errou a rota e o “Porto Seguro” seria no Rio Grande do Norte.

Somos o país do acaso. De Cabral à Cabral.

“O acaso é o pseudônimo de Deus quando ele não quer assinar”, meu pai citava esta frase de Théophile Gautier (1811 - 1872), e dava exemplo. O povo contava uma lenda de Serra de São Bento. Lá, era lugar de cangaceiros, bandidos que se refugiavam no alto serrano. Houve uma grande seca e um missionário fez um sermão dizendo que se eles depusessem as armas, Deus faria chover. Imediatamente o vento trouxe nuvens pesadas. O frade levantou as mãos, orou e caiu um toró com direito a relâmpagos e trovões. Os valentes, um a um, foram entregando facas santa-luzia, fuzis boca-de-sino, espingardas, todo armamento ao frade. Ninguém sabia explicar o sumiço do missionário e do armamento. Muitos e muitos anos depois, o monsenhor Pedro Moura resolveu fazer um novo cruzeiro de frente à igreja. E quando foi chantar a nova cruz apareceu soterrada uma velha arca cheia de armas enferrujadas. Obra do acaso, concluiu meu pai.

O acaso é também aquilo que não pode ser medido pela ciência. Entretanto, são beneficiárias do acaso as ciências, as artes, a literatura, a poesia, até a tecnologia.

Podemos dizer que é um fenômeno que nós não percebemos a causa. É a incapacidade de prever com a absoluta certeza um acontecimento. De fato, todo fenômeno tem uma causa determinante. Voltaire (1694 – 1778) doutrinava: “O acaso é uma palavra sem sentido, nada pode existir sem causa”. Contudo, o acaso tem alguma coisa de nonsense, é um divino instrumento aleatório de desorganização aparente. Muitas coincidências são deuscência.

D. Sebastião, rei de Portugal, um rapazinho de vinte e quatro anos, resolveu fazer guerra ao Marrocos e levou novecentos navios para a empreitada. Perdeu a batalha e a vida. Transformou-se em mito da esperança messiânica. Já o Brasil foi o grande beneficiário. Felipe II, rei da Espanha, neto de D. Manoel, o Venturoso, passou a reinar sobre a União Ibérica. As colônias sul-americanas passaram a ter o mesmo comando. Sobretudo graças aos bandeirantes, o nosso país, que era limitado pelo Tratado de Tordesilhas, cresceu sem guerras e duplicou o seu território.

O acaso tem muita força!

Quem poderia imaginar que Napoleão Bonaparte faria um grande benefício ao Brasil? O seu gênio militar e político não detectou que estava sendo enganado por D. João VI, apoiado pela Inglaterra. Face à invasão de Portugal por suas tropas o Brasil ganhou, em 1808, a corte portuguesa. Sete anos depois, o nosso país transformou-se em reino e sede da monarquia. 

Jorge Luís Borges (1899 – 1986) dizia ter conhecido a incerteza, desconhecida pelos gregos. Criou um conto maravilhoso a partir da mitologia: “A Loteria da Babilônia”. Tudo nesse país, controlado por uma secreta Companhia, seria determinado pelo acaso. Explica o narrador: “Sou de um país vertiginoso, onde a loteria é a parte principal da realidade”. Somos essa Babilônia? Naquele país imaginado as pessoas e as instituições dependiam da sorte para a vida e para a morte. No começo, sorteavam-se moedas de prata, o perdedor mereceria o desprezo popular ou a cadeia. Havia grandes discussões de caráter jurídico-matemático. A direção da Companhia manipulava o acaso, controlava até a natureza. A conclusão do conto é que: “a Babilônia não é outra coisa, senão um infinito jogo de acasos”. Mesmo assim, ninguém deveria perder as esperanças.

Temos que acreditar na sorte, em nosso destino, mesmo em acontecimentos inexplicados ou inexplicáveis, porque Deus não joga dados como concebia Alberto Einstein. Todas as coisas tem uma lógica superior, um motivo de ser. O êxito ou a derrota estão também no agir humano.

A Argentina sempre amou uma disputa territorial, com as Malvinas, com a Inglaterra, na fronteira com o Chile ou com o Brasil. Só que agora, por acaso, nunca poderia haver de enfrentar o Brasil. Itaipu, que produz cerca de 25% da energia da região, desestimula qualquer disputa. De fato, já se comentou que se abríssemos totalmente as comportas da barragem, Buenos Aires seria paralisada. Ainda praticaria malefícios ao Brasil e Paraguai. Por acaso, a construção de uma hidrelétrica transformou-se em uma bomba hídrica.

O Brasil, historicamente, tinha uma elite endinheirada que fazia ostentação, eram enormes passageiros do luxo desmedido e da fatuidade. Eram dirigentes atuantes na política, nos sindicatos, nas grandes empresas. Por acaso, surgiu de um posto de gasolina o nome da Lava Jato, uma pequena operação policial a partir de interceptações telefônicas. Visava apurar corrupção e lavagem de dinheiro. Essa operação desvendou o maior assalto aos cofres públicos da história do planeta. Quase levou à falência a maior empresa, orgulho do Brasil. Verificou-se que o crime estava disseminado, corroendo organizações governamentais. Antigamente, dizia-se, que só iam para a cadeia os três pês: pobre, preto e prostituta. Agora, em razão de um pequeno caso investigado, magnatas estão na cadeia ou com tornozeleiras. Nos últimos dias, dois ex-governadores do Rio de Janeiro foram presos. Um deles, outro Cabral, está na prisão, por acaso, na penitenciária que ele mandou construir.

Os passageiros da corrução e da gastança de dinheiro fácil, por ser público, estão apavorados com o naufrágio. Só que, como no caso do Titanic, a maioria não se salvará.

Estamos no país que busca da aplicação ética na força do Poder Judiciário que sabe bem exercer a sua função, aproveitando a vertigem do acaso.

           




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