terça-feira, 1 de novembro de 2016

OS SINOS E A CASA BRANCA





Dois símbolos dos Estados Unidos estão unidos definitivamente. A Casa Branca, símbolo sede do poder e o Liberty Bell. Esse Sino da Liberdade inspirou o toque do Sino da Igualdade. O primeiro, da Filadélfia (1752), faz tríplice celebração: A Abolição da escravatura, a Revolução Americana e a Declaração da Independência. O outro soou recentemente em um museu do negro, pertinho da Casa Branca (ironia?).

Em Roma, antigos sinos tocavam para convocar o povo a interesses maiores. O cristianismo adotou o sino que passou a "voz de Deus”, universalizando o seu uso. Sino lembra conciliação, paz, solidariedade, entendimento, sobretudo elevação da espiritualidade.

Agora, a cultura negra exibe o desejo de ser reconhecida e respeitada. Tem razões históricas.

A humanidade deve à África a sua origem. Mais: a dívida contraída por europeus e americanos em séculos de exploração, saques de suas riquezas, extrema violência contra seu povo, desprezo aos direitos humanos mais sagrados. A violência e discriminação já foram maiores.

Nos EUA, pontuais surtos de policiais brancos matando negros desarmados fazem reviver tristezas e tragédias passadas como perpetraram os terroristas da KU KLUX KAN. Os linchamentos raciais aconteceram como em Elaine, Arkansas, onde em 1919, foram massacradas 237 pessoas. E ninguém foi preso, nem condenado.

Enquanto isso, a África continua a motivar o mundo por sua diversidade biológica, fauna e flora tropical, desertos, engenho e arte de sua gente.

A paisagem singular é transformada em cenário de beleza e pujança para deleite de povos afastados. Aves e peixes, bichos encantam as telas; a plástica pose dos elefantes e leões, a elasticidade veloz dos leopardos, zebras em preto e branco, os sociais gnus, e outros antílopes, em fuga. Beneficiam estrangeiros o tesouro mineral, diamantes e ouro; Energético, petróleo e gás, na agricultura, as plantations.

De outro lado, a habilidade, o talento e a criatividade africana são emprestadas sem retorno ou reconhecimento. Quando em 1936, nas Olimpíadas de Berlim, o atleta negro Jesse Owens venceu a corrida, desmoralizando a “superioridade” ariana, não foi, obviamente, cumprimentado por Hitler. Inexplicável foi não receber os cumprimentos do presidente Roosevelt.

Ícones dos direitos civis, o pastor Martin Luther King e o escritor Malcolm X foram, igualmente, assassinados.

Diversamente, compositores e intérpretes norte-americanos colhem raízes da África à sua música: Jazz, Blues, Soul, Rock and Roll e mais modernamente o Rap e o Hip-Hop.

Da mesma forma, a Europa busca lá a fonte de renovação para a pintura e a escultura, sem a motivação africana seria menos significativa e revolucionária a arte de Picasso, Matisse, Cézanne, Gauguin ou Paul Klee.

Em razão de tudo isso, o presidente Barack Obama (mulato para nós, negro nos EUA) inaugurou o monumental National Museum of African American History and Culture, pertinho da Casa Branca. Não houve fita simbólica, mas um toque de sino, que foi reproduzido em Washington e em igrejas de todo o País. O prédio, projetado por arquiteto da Tanzânia, custou 540 milhões de dólares, metade por doações. São pirâmides cortadas, invertidas e superpostas. Fazem lembrar o Memorial JK de Oscar Niemeyer. Presentes à solenidade inaugural figuras emblemáticas como Steve Wonder, Robert de Niro, Oprah Winfrey (que doou U$$ 25 milhões), o ex-presidente republicano Bush, Michele e Obama (descendente da escrava Melvina “objeto” de testamento em 1850).

São expostos 3.000 peças memoráveis, testemunhos eloquentes do sofrimento do povo negro e de êxitos de seus descendentes. Você verá um violino de escravo que tocava para divertir convidados brancos (Fabião das queimadas dos States?). Um recibo de venda de Polly, uma mocinha de 16 anos em 1835. Encontrará um vagão de trem que até 1918 destinava-se a transportar negros. O sino da inauguração, Sino da Igualdade, veio de uma igreja Batista da Virgínia, reservada a escravos.

O presidente Obama emocionou ao assegurar: “nós não somos um fardo aos americanos, nós somos a América”.

Certamente, esse Museu ajudará muitos a refletir, tomar ciência e consciência. Quando os devedores resgatarão a dívida com a África negra e com os afrodescendentes?

Essa dívida somente será quitada quando todos respeitarmos a dignidade da vida de todos e entendermos que pertencemos a uma única raça, a raça humana.



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