quarta-feira, 3 de agosto de 2016

PREFÁCIO





Prefácio de Diogenes da Cunha Lima para o livro "O Vinho Negro da Paixão" (1998), de Francisco Fausto Paula de Medeiros:


Francisco Fausto herdou do avô homônimo o dom de escrever bem.   O avô foi “historiador, pesquisador, inteligente e dedicado à tradição”, atesta Luís da Câmara Cascudo.

Tenho insistido para que ele escreva as suas memórias.  Tem o que dizer e, como ninguém, sabe dizer.  História pessoal narrada entre o tempo de menino nas praias de Areia Branca, com linda fotografia no sóbrio gabinete de Ministro do Superior Tribunal do Trabalho.

O tema não lhe é estranho.  Afinal de contas, a escravidão não foi mais do que a extrema degradação do homem, negra patologia social, homem propriedade de outro, nenhum respeito pela dignidade humana e a libertação, principal preocupação do autor neste trabalho, que é a busca da Justiça do Trabalho, exaltação do homem e da sua dignidade.

No Brasil a escravidão de africanos durou um quarto de milênio, até com autorização legal do Rei de Portugal desde 1559.  O Marquês de Pombal, por ato de oito de maio de 1758, tornou livres os nossos índios.  Todavia, por razões de economia, o ato não atingia os negros, até porque, por distorção, era entendido que trabalho pesado é função só de negro.

A ânsia de narrar o heroico, o voo do escravo para se libertar, e o bairrismo seduzem, normalmente, o entendimento dos escritores.  Isto não aconteceu aqui, verá o leitor, pelo trabalho diário do autor de adaptação da Justiça ao cotidiano, pela busca incessante da verdade para ofertar garantias ao jurisdicionados.  Esta é obra de investigação e inteligência. O negro deu a sua contribuição de suor e lágrimas, para alavancar a nossa economia, e de sangue para formação da mais bela civilização tropical, a brasileira.

Estados como o nosso* tiveram menor número de escravos, porque menor foi a necessidade. Houve até escravos adquiridos para ostentação do senhor ou para o prazer doentio da dependência absoluta e incondicional de outro homem.

Fausto ilumina as coisas de que fala, coloca a luz da libertação do negro (Mossoró como referência), com inteligência e emoção. Mas sobretudo sem nunca perder a capacidade do justo julgamento. O conhecido e reconhecido poder de síntese do autor nos dá um pequeno grande livro, um livro que fica ao lado da literatura especializada como marco e como convocação a novos estudos.

A libertação do homem negro, mais que um ato histórico, foi o reconhecimento do lirismo português que corre em nossas veias africanas.

Num momento em que a reabilitação da cultura negra envereda no perigoso e pejorativo terreno do “modismo”, e percorre o caminho inverso do preconceito, O vinho negro da paixão – discurso sobre a negritude e a libertação do homem negro – é leitura oportuna à medida em que realiza uma análise imparcial e estabelece os pontos de equilíbrio entre duas culturas que se fundem numa só.

Na conquista diária da liberdade, que é sinônimo de vida, sente-se o “calor” de Mossoró que transforma a singeleza de um beijo num ato desafiador e contundente a toda uma sociedade pautada na política e economia escravagista, ao mesmo tempo que a exorta a ocupar uma posição de vanguarda.

Francisco Fausto Paula de Medeiros, sem omitir fatos históricos, conserva-se fiel ao espírito de luta que norteou aqueles que restituíram a dignidade e o valor de uma raça e redescobriram a essência humana, provando que História se faz, acima de tudo, com sensibilidade.
                      
A condição de Ministro do Superior Tribunal do Trabalho, erudito, sábio, não escondeu o bom Juiz e o excelente escritor. Confira, leitor.





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