Prefácio de Diogenes da Cunha Lima para o livro "O Vinho Negro da Paixão" (1998), de Francisco Fausto Paula de Medeiros:
Francisco Fausto herdou do avô homônimo o dom de
escrever bem. O avô foi “historiador,
pesquisador, inteligente e dedicado à tradição”, atesta Luís da Câmara Cascudo.
Tenho insistido para que ele escreva as suas
memórias. Tem o que dizer e, como
ninguém, sabe dizer. História pessoal
narrada entre o tempo de menino nas praias de Areia Branca, com linda
fotografia no sóbrio gabinete de Ministro do Superior Tribunal do Trabalho.
O tema não lhe é estranho. Afinal de contas, a escravidão não foi mais
do que a extrema degradação do homem, negra patologia social, homem propriedade
de outro, nenhum respeito pela dignidade humana e a libertação, principal
preocupação do autor neste trabalho, que é a busca da Justiça do Trabalho,
exaltação do homem e da sua dignidade.
No Brasil a escravidão de africanos durou um quarto de
milênio, até com autorização legal do Rei de Portugal desde 1559. O Marquês de Pombal, por ato de oito de maio
de 1758, tornou livres os nossos índios.
Todavia, por razões de economia, o ato não atingia os negros, até
porque, por distorção, era entendido que trabalho pesado é função só de negro.
A ânsia de narrar o heroico, o voo do escravo para se
libertar, e o bairrismo seduzem, normalmente, o entendimento dos escritores. Isto não aconteceu aqui, verá o leitor, pelo
trabalho diário do autor de adaptação da Justiça ao cotidiano, pela busca
incessante da verdade para ofertar garantias ao jurisdicionados. Esta é obra de investigação e inteligência. O
negro deu a sua contribuição de suor e lágrimas, para alavancar a nossa
economia, e de sangue para formação da mais bela civilização tropical, a
brasileira.
Estados como o nosso* tiveram menor número de escravos,
porque menor foi a necessidade. Houve até escravos adquiridos para ostentação
do senhor ou para o prazer doentio da dependência absoluta e incondicional de
outro homem.
Fausto ilumina as
coisas de que fala, coloca a luz da libertação do negro (Mossoró como referência),
com inteligência e emoção. Mas sobretudo sem nunca perder a capacidade do justo
julgamento. O conhecido e reconhecido poder de síntese do autor nos dá um
pequeno grande livro, um livro que fica ao lado da literatura especializada
como marco e como convocação a novos estudos.
A libertação do homem
negro, mais que um ato histórico, foi o reconhecimento do lirismo português que
corre em nossas veias africanas.
Num momento em que a
reabilitação da cultura negra envereda no perigoso e pejorativo terreno do
“modismo”, e percorre o caminho inverso do preconceito, O vinho negro da paixão – discurso sobre a negritude e a libertação
do homem negro – é leitura oportuna à medida em que realiza uma análise
imparcial e estabelece os pontos de equilíbrio entre duas culturas que se
fundem numa só.
Na conquista diária da
liberdade, que é sinônimo de vida, sente-se o “calor” de Mossoró que transforma
a singeleza de um beijo num ato desafiador e contundente a toda uma sociedade
pautada na política e economia escravagista, ao mesmo tempo que a exorta a
ocupar uma posição de vanguarda.
Francisco Fausto Paula
de Medeiros, sem omitir fatos históricos, conserva-se fiel ao espírito de luta
que norteou aqueles que restituíram a dignidade e o valor de uma raça e
redescobriram a essência humana, provando que História se faz, acima de tudo,
com sensibilidade.
A condição de Ministro do Superior Tribunal
do Trabalho, erudito, sábio, não escondeu o bom Juiz e o excelente escritor.
Confira, leitor.
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