Acordei cedo. Não sabia, mas tinha um encontro marcado. Organizei algumas coisas da casa. Tratei, como sempre faço, da minha cadela, Trudi, a preta velha. Percebi, na grama, perto da minha porta janela, um sabiá, estava quieto, sem qualquer movimento, mantendo os olhos cerrados. A Trudi passou por ele sem qualquer reação. Curioso, pois, ela não gosta desse pássaro que, constantemente, provoca-a, inclusive, furtando sua ração. Tomei-o nas mãos. Sentei-me e comecei a acarinhá-lo. O coração pulsava acelerado, descompassado. Os olhos continuavam fechados. Além da carícia lembrei que em 1995 escrevi um livro de poesias e dei o nome de o Canto do Sabiá e outros poemas. Entre eles havia um, em especial: o sabiá em meu beiral canta/ nada pede, nada exige/ apenas canta e encanta. Sussurrei ao seu ouvido a importância do seu canto para sensibilizar o coração embrutecido do homem. Acentuei, como no poema, que o sabiá, como outros passarinhos cantadores, nada exigem ou reclamam, apenas, suprindo uma necessidade vital, cantam, sem preocupação com um sentido para o seu cantar. E aí o inesperado, que justifica a experiência da vida: abriu os olhos e olhou-me. Não foi um gesto mecânico. Senti os seus olhos pequenos procurar os meus e quando os encontrou, fitou-me por segundos, mas pareceu-me uma eternidade. Era, sem dúvida, uma despedida. Em seguida cerrou os olhos novamente. O coração bate mais forte. Intensifico os gestos de carinho. O seu pequeno corpo começa a estremecer num prenúncio de agonia. Vá em paz, meu sabiá. Vá cantar no céu dos pássaros, pois, neste mundo a sua missão acabou. Aperto o seu corpo, sinto o último estertor e em seguida o cessar das batidas do seu pequeno coração. A força vital extinguiu-se, a vida cessou. Agora há, apenas, matéria inerte. Mesmo assim, seguro o pássaro morto em minhas mãos por alguns minutos, depois descarto o corpo sem vida. Neste momento fugaz, mas pleno de sentido aprendi o significado da vida e da morte. Contei este fato ao poeta Paulo Bomfim, amigo querido, e ele tocado na sua sensibilidade poética sugeriu-me o título: epitáfio para um sabiá. Seja assim, para sempre.
NEY JOSÉ de FREITAS
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