quinta-feira, 25 de maio de 2023

A LUMINESCÊNCIA de LENINE


No dia posterior ao falecimento de Lenine Pinto, tive a honra e o privilégio de falar sobre ele numa sessão especial do Conselho Estadual de Cultura. E disse na ocasião que um breve ou longo comentário a respeito dele haveria de destacar especificamente o seu perfil pessoal e a brilhante militância no jornalismo, que foi berço para o nascimento da sua verve de pesquisador, historiador e escritor, atividades que o consagraram no Nordeste e no Brasil.
 
Falar do jornalista Lenine é nunca esquecer o contexto em que se deu nele a gênese da atividade.  É imprescindível avultar que estamos tratando de um cara que aos 19 anos entrevistou Luiz da Câmara Cascudo e com ele estabeleceu diálogo pessoal e interação profissional. Se isso não for suficientemente gigantesco, reforce-se que tratamos de uma virtuose que com 17 anos resgatou em Recife, nas páginas do Diário de Pernambuco, em novembro de 1947, a revolução poética de Jorge Fernandes, nosso primeiro modernista, numa reportagem vinte anos após o histórico Livro de Poemas.
 
Lembrar desses dois feitos do garoto Lenine, nos remete a um antigo diálogo no programa de televisão de Flávio Cavalcanti, no tempo das imagens em preto e branco, entre dois intelectuais que discutiam sobre qual canção era mais esplêndida na história da MPB: Águas de Março, de Tom Jobim, ou Viagem, de Paulo Cesar Pinheiro. A peleja encerrou quando um disse: o maestro Tom Jobim compôs essa maravilha aos 47 anos, mas Paulo teve uma epifania aos 15.
 
Então, além de ter um peso mais que significante o gênio precoce de Lenine Pinto na aurora da sua atuação, convém imaginar o contexto em que isso se deu, ao final dos anos 40 e de uma guerra mundial que mudou paradigmas no planeta.
 
Ninguém melhor que Cascudo para dizer o que foram aqueles tempos: “Preferia ter nascido em 1940? Tentação aos nascidos em 1898. Não estou arrependido do século XIX, encanta-me haver conhecido o século XX menino, rapaz e velho. Com todos os lucros e perdas, ter viajado de cavalo e ver a astronave, o recado e o telefone transoceânico, guarda-comida e geladeira, futuros contemporâneos não entenderão exatamente a paisagem que vi modificar-me”.
 
Pois bem. No meio das transformações da década de 40, o jovem Lenine também foi se modificando levado por sua curiosidade, pela ousadia, pela teimosia, por uma transgressão inerente da sua personalidade, como atestaram grandes e longevos amigos.
 
E ali naquela sua inquietação, que se manifestara desde o primário no colégio Pedro Segundo e científico no Atheneu, houve a confluência inevitável da imprensa e da historiografia, porque quase sempre onde se levanta um jornalista curioso e bom narrador do seu tempo, já está sentado o historiador. Foi assim com tantos do naipe dele, Cascudo, Rubem Braga, Joel Silveira, Carlos Heitor Cony, José Hamilton Ribeiro, Ruy Castro, para citar alguns.
 
Lá naqueles dias juvenis do repórter, amadurecia o futuro historiador, a partir das condições e do talento já existentes, como disse Rubem Braga a respeito do testemunho da Segunda Guerra, em 1944, no Diário Carioca: “Tenho olhos, vejo as coisas, leio as notícias; e tenho mão, e conto e escrevo, e depois sai no jornal”.
 
Este detalhe de depois sai no jornal, nas circunstâncias do Lenine jornalista, é o elemento a posteriori que desperta o historiador. Basta nos debruçarmos sobre dois momentos marcantes da vida de Lenine para constatar isso: os textos nos contextos da segunda guerra e a entrevista que deu a dimensão poética de Jorge Fernandes. Nas duas situações, a ação de reportagem catapultou o processo histórico. No caso do modernismo em Fernandes, ele foi apenas o jornalista que permitiu a profundidade dos historiadores que vieram depois. E no caso da guerra, ele próprio se transformou em historiador.
 
Lenine Pinto foi além dos aspectos profissionais, uma personalidade grandiosa da nossa cultura humana, afetuoso às vezes, controverso idem, doce e ácido de acordo com a temperatura comportamental do ambiente. Não era fácil ser convencido de algo que não conhecia com profundidade ou por birra mesmo.
 
Há casos hilários em sua convivência social, como o dia em que levantou da festa de aniversário de uma amiga jornalista logo que um conjunto musical começou a tocar: “vim ver você e falar com nossos amigos e não ouvir zoada”.
 
No “Clube dos 100”, confraria que frequentou, quis se retirar porque um velho amigo não parava de dar atenção a um jovem, só voltou à mesa quando avisaram que era o neto do confrade.
 
Aos 18 para 19 anos, depois de ter trabalhado para os militares americanos, foi contratado por uma empresa inglesa. Um dia dormiu no serviço e após um grito do chefe britânico, este indagou porque estava coberto com a bandeira inglesa: “das que tem aqui, era a do tecido mais quente”, respondeu, cinicamente.
 
Na adolescência no Atheneu, enrubesceu uma linda professora, filha de almirante, e escandalizou a escola fazendo sexo com a própria mão contemplando as pernas da jovem mestra. Passou meses fora do colégio, suspenso pelo então diretor Celestino Pimentel.  Em sua memória, deixo um haikai:
 
              Um saber que ilumine
              aos que vieram depois
              na claridade de Lenine.
 
ALEX MEDEIROS



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