terça-feira, 6 de julho de 2021

CENTENÁRIO DE VERÍSSIMO DE MELO

 

Prefiro relembrar Veríssimo de Melo, com alegria e humor, narrando poucas e boas de sua passagem por este mundo. Folclorista, jornalista, articulista, pesquisador, humanista, uma inteligência e um estilo literário que guardava uma inconfundível leveza clássica. Lembro-me que sua morte repentina surpreendeu a todos nós. Silenciou de madrugada como um passarinho que se cala ao fim do seu bem voado e bem cantado dia. E Vivi sempre me revelava uma fragilidade de bem-te-vi. Tinha medo de viajar de avião e da morte. Mas morreu em paz. Falou-me, certa vez, que nunca vira assombração mas gostaria de ver. Era o folclorista se sobrepondo ao sensível, ao visível.
 
É sempre bom recordar com saudade e carinho a figura de Veríssimo de Melo, escritor, ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura e boêmio nas horas profundas da noite natalense. Certa vez, a demora em retornar, preocupou D. Noêmia, sua esposa. Já passava das duas da madrugada e nada de Vivi. De repente, entrando de fininho, com aquela compleição esguia que Cascudo definiu que "dava para se esconder atrás de um I", foi surpreendido em cima do lance: "Veríssimo, tenha vergonha, a essa hora!!". "Como a essa hora", respondeu Vivi, "eu vim buscar o violão!".
 
Diógenes da Cunha Lima foi amigo e escreveu um livro sobre Veríssimo de Melo. Foi ele que me passou mais essa. Veríssimo e D. Noêmia formavam um casal exemplar. As pequenas discordâncias dos dois revelavam apenas o temperamento brincalhão e extrovertido dele. Há um certo tempo, o programa Fantástico exibia um quadro semanal sobre medicina, suas curiosidades e tratamentos. A matéria era sobre varizes. D. Noêmia assistia ao lado de Veríssimo completamente distraído. Impressionada com o relato, ela alisou as pernas e comentou: "Veríssimo, preciso ir ao dr. Jamil. Acho que essas varizes estão acentuadas". Vivi retruca com a ironia doméstica de marido crítico e intelectual: "Noêmia, se você tratar tudo o que acha que tem assim você não vai morrer nunca".
 
Paraninfo de todas as turmas da UFRN, o professor Veríssimo de Melo discursava solene e fagueiro na colação de grau  no Campus, quando percebeu que recebia palmas enfadonhas e fastidiosas dos  seus afilhados.  Saiu um pouco do escrito e anunciou peremptório que  havia preparado  uma  agradável surpresa  naquela  noite,  fato  esse   que significaria  para  ele também, um momento de grande  alegria.  E  foi passando  uma  a uma as páginas do seu discurso até  a  lauda  final, quando proferiu,  sorridente e olímpico, com os  braços  erguidos  em triunfo: "Tenho dito". As palmas retumbaram profusas.
 
Veríssimo de Melo foi lembrado, certa vez, no Conselho Estadual de Cultura  pelo poeta Diógenes da Cunha Lima. Narrou várias de suas histórias hilárias, sublinhando duas que atestam o seu temperamento brincalhão e criativo. Numa noite de autógrafos de um dos seus livros, achava-se na fila o coronel Cleantho Homem de Siqueira. Na dedicatória, Veríssimo foi mais gozador que nunca: “Ao coronel Cleantho, herói de Monte Castelo e do restaurante Universitário, oferece Vivi”. Outro oferecimento insólito com a marca registrada do escritor foi no exemplar dedicado ao poeta Augusto Severo Neto que lhe fizera, tempos atrás, uma crítica literária.  Inconformado, Veríssimo deu o trôco: “Para Augusto Severo Neto, poeta que inventei e depois me arrependi, cordialmente, Vivi”.
 
Salve Veríssimo de Melo na celebração do seu centenário.
 
Nascimento: 09 de julho de 1921
Falecimento: 18 de agosto de 1996


VALÉRIO MESQUITA




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