“O bom humor e a alegria ajudam a fazer amigos.”
ASSIS CÂMARA
Nos anos
50, meu tio Odilon Amâncio Ramalho, pai de Noilde Ramalho, revolucionou Nova
Cruz. Homem do progresso, entre outras coisas trouxe energia elétrica para a
cidade e fundou o Cinema Éden, que a seguir foi alugado por Paulo Bezerra. Era
um senhor nacionalista, chamado por muitos de comunista. Começava a sessão com
o épico “O Guarani”, de Carlos Gomes. O cinema era dividido em três classes, na
mais simples o público ficava em pé no corredor. Seu porteiro folclórico chamava-se
Zé Boca da Noite, um cachaceiro, um farrista incorrigível. Sem pagar um tostão,
ele colocava os companheiros de noitada para ver os filmes. A esposa de Paulo
Bezerra soube da mamata e se queixou com o marido, exigindo demissão imediata. “Se
eu der as contas pra ele, quem danado vai dar emprego ao pobre homem”,
respondeu. Inconformada, ela passou a ficar na porta do cinema, vigiando o
empregado. Impedidos de assistir aos filmes, os parceiros se queixavam com o
próprio arrendatário do cinema: “Doutor Paulo, Zé deixava a gente ver os filmes
e agora estamos impossibilitados”. Paulo Bezerra tirava dinheiro do bolso e
dizia: “Tome, compre um bilhete e veja o filme”. Certa vez, um cliente habitual
se queixou que o cinema estava cheio de pulgas. “Veja!”, mostrou uma. “A pulga
tem o carimbo do Éden? Não tem! Pois foi você que trouxe”, rebateu Zé Boca da
Noite.
Porto Alegre, 1983. O Hotel Majestic colocou Mário Quintana no olho da rua. A miséria havia chegado absoluta ao universo do poeta. Mário não se casou e não tinha filhos. Estava só, falido, desesperançoso e sem ter para onde ir. O porteiro do hotel, jogou na calçada um agasalho de Mário, que tinha ficado no quarto, e disse com frieza: - Toma, velho! Derrotado, recitou ao porteiro: - A poesia não se entrega a quem a define.
Mário estava só. Absolutamente só. Onde estavam os passarinhos? A sarjeta aguardava o ancião. Alguém como Mário Quintana jogado à própria sorte! Paulo Roberto Falcão, que jogava no Roma, à época, estava de férias em sua cidade natal e soube do acontecido. Imediatamente se dirigiu ao hotel e observou aquela cena absurda. Triste, Mário chorava.
O craque estacionou seu carro, caminhou até o poeta e indagou: - Sr. Quintana, o que está acontecendo? Mário ergueu os olhos e enxugou as lágrimas - daquelas que insistem em povoar os olhos dos poetas - e, reconhecendo o craque, lhe disse: - Quisera não fossem lágrimas, quisera eu não fosse um poeta, quisera ouvisse os conselhos de minha mãe e fosse engenheiro, médico, professor. Ninguém vive de comer poesia.
Mário explicou a Falcão que todo seu dinheiro acabara, que tudo o que possuía não era suficiente para pagar sequer uma diária do hotel. Seus bens se resumiam apenas às malas depositadas na calçada. De súbito, Falcão colocou a bagagem em seu carro, no mais completo silêncio. E, em silencio, abriu a porta para Mario e o convidou a sentar-se no banco do carona. Manobrou e estacionou na garagem de um outro hotel, o pomposo Royal. Desceu as malas. Chamou o gerente e lhe disse: - O Sr. Quintana agora é meu hóspede! Por quanto tempo, Sr. Falcão? - indagou o funcionário. O jogador observou o olhar tímido e surpreso do poeta e, enquanto o abraçava, comovido, respondeu: - POR TODA ETERNIDADE.
O Hotel Royal pertencia ao jogador! O poeta faleceu em
1994.
Exaltarás teu destino,
Darás á vida harmonia.
Deus gosta de ouvir os sinos
E o Baobá faz magias
Teu toque dá alegria
A Natal, bela cidade
Feita de amor, poesia,
E a ti Felicidade.
DIOGENES da CUNHA LIMA
Sexta feira dia 13
Pela crise me apanhou
Sem dinheiro na algibeira
Nunca ninguém segurou.
Anéis, cadeias, relógios
Tudo em triste necrológio
Estão no prego como estou
ANÔNIMO
UM DIA MÍOPE
Um poema tomou de assalto o meu dia
O dia era um mau dia
A hora era uma má hora
E a vontade era de bradar contra vento e maré
Não são tempos de poesia
Pensei com meus botões
E dei as costas ao poema trôpego
Daquele dia míope
De uma tarde que prefiro esquecer
Quando um poema tomou de assalto o meu dia.
PRESSA
O poema tardio
A vida tardia
A noite que tarda
Tudo sugere que a vida segue lenta
Embora haja tanta pressa em nós
Uma furiosa pressa pelo que não pretendemos manter
Mas simplesmente visitar de passagem
Olhar até o fastio
Tocar furtivamente
Como uma estação de recreio
Um jardim público
Uma rua deserta
Um campo-santo
Onde repousam, sem pressa,
Os nossos mortos.
ODE AO POEMA FERIDO
Pássaro ferido em pleno voo
O poema se deixa abater
Sob a janela que dá para o meu gabinete.
Vejo-o agônico, quase desfalecido,
Tombar sobre o assoalho.
Lentamente, tomo-o nas mãos, atento a seus gemidos,
a fim de pensar-lhe as feridas.
“É grave seu estado”, digo para mim mesmo,
Ciente de que, em tal caso, o mais provável é que não me
escute.
Mas ao deitá-lo sob uma improvisada cama de papéis
Especialmente espessos e macios
que reservo para copiar as poesias de Laura,
O poema reage e esboça um leve sorriso,
Resultante do alívio momentâneo
que lhe proporciona minha canhestra terapia.
Dar-se-á conta o poema de que se encontra em meu
gabinete?”, pergunto-me,
Animado pela visível mudança de ânimo que testemunho.
Esta poderia ser uma pergunta ociosa,
Mas seguramente não o é neste momento
Em que tantos poemas se desfiguram sob a óptica das
predicações difusas
Que o mais das vezes os desencaminham.
“São tempos maus para os poemas”, filosofo, num suspiro,
Sem estar bem certo do alcance das palavras da afirmação
que faço.
Refiro-me provavelmente
(Ainda não me questionei profundamente sobre isso)
Aos tempos que correm
(Não necessariamente no sentido que correr costuma
sugerir).
O poema da amizade, por exemplo,
Sofre amargamente nestes tempos.
Vê-se um, veem-se todos: sofredores,
Dilacerados por exigências e pressões,
Medos e pressentimentos maus.
Há, mesmo, pressentimentos assustadores,
E não são tão incomuns como se costuma pensar.
Mas veja-se o poema da justiça.
É dos espetáculos mais tristes que acontecem
Ante os nossos olhos – sua via crucis, diária,
Irremediavelmente recorrente,
Não cessa de nos comover. E a razão é sempre a mesma:
a impossível missão que lhe cabe cumprir.
Nada lhe resta da beleza dos tempos áureos,
Quando a um sorriso seu um mundo inteiro respirava
Aliviado
Desagravado de penas,
Justificado de dores, não importando quais.
Voltem-se, porém, os olhares para o poema da beleza.
Ah, pobre poema da beleza!
Há tempos que executa o mesmo modelo,
Seja no barro, seja na cerâmica, seja mesmo em matérias
nobres.
Se protestamos (poucos o fazem efetivamente)
Contra o servilismo dos seus conceitos,
Ou o simplismo das suas realizações,
Ou ainda contra a repetitiva monotonia das suas formas,
A indigência das suas inovações,
Dissuadem-nos seu ar de ofendido,
seu esgar de incompreendido,
O espanto com que sua autoestima sabe reagir
À menor censura.
Sábio é aquele que o deixa entregue a si próprio…
Não é menos preocupante o que sucede ao poema da
esperança.
E quando considero quanto importa para todos o poema da
esperança
Dá-me calafrios deparar com ele, porque é todo lamentos.
Queixa-se de incompreensões,
Argui desculpas,
Tenta reparar mal-entendidos,
Reitera possibilidades dadas por perdidas,
Mas não exibe nem sombra do viço juvenil que lhe granjeou
fama no passado
Consagrando-o como o mais confiável dos poemas
Entre todas as gerações de humanos.
Conta-se que num raro momento de repúdio
Ao assédio de antigos áulicos
Teria replicado a seus críticos com o seguinte argumento:
“Sou a única esperança compatível com um mundo
envelhecido”.
De todo modo,
O poema da esperança é visto quase sempre só
Pois, quem se interessaria por promessas que nunca se
cumprem
Ou são logo desmentidas pelos acontecimentos?
Ah, sim! Os poemas do vício são hoje seus únicos
companheiros.
“Quando a esperança condescende com o vício,
Um não se distingue do outro”,
Diz-se amiúde hoje em dia.
Eu concordaria com isso em outra circunstância,
Mas não hoje, porque tenho um poema jovem, ainda por cima
indiferenciado,
Sobre a minha escrivaninha,
E vejo nesse poema (ele já me sorri!)
Uma promessa real de vida
Inesgotável e franca como o ouro do sol.