Diogenes da Cunha Lima,
que Pois é a poesia homenageia neste número de O Galo, possui significativa
fortuna crítica sobre sua poesia, que anunciou sua voz em 1957 com Lua 4 Vezes
Sol, ao qual se seguiu, sete anos depois, o Instrumento Dúctil, num
distanciamento que não interrompeu a continuidade de sua matriz criativa, tais
as interações existentes entre esses dois primeiros livros. Olhados à distância
no tempo, numa visão de conjunto, Lua 4 Vezes Sol evidencia mais unidade, com
alguns poemas antológicos, entre os quais chamo então para Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça.
Já no Instrumento Dúctil transparece
maturidade e domínio do seu trabalho e uma hábil manipulação do verso. Qualquer
análise que se faça impõe uma distinção dos poemas em dois planos: o primeiro
de poemas curtos, incisivos, no qual o oral e o visual – como fatores de
expressão transcendente – se aliam à força imanente da palavra como elemento
essencial do dizer poético. No segundo plano, imprime a marca de sua
sensibilidade a uma poesia que une o pensamento à emoção, alternando o lírico,
o prosaico do cotidiano e o elegíaco em poemas de envolvente intensidade.
De livro para livro sua
poesia ganha novos contornos. Na abrangência de sua temática ressalta, até,
momentos de experimentalismo que, ao lado de outras faces de sua poesia,
resultam em buscas a que não faltam a inventiva e a descoberta. No seu percurso
de contínuo aprimoramento e ampliação de temas, alcançou uma alto estágio
poético, lastreado pelos títulos Lua 4 Vezes Sol (1967), Instrumento Dúctil
(1974), Corpo Breve (1980), Tendresse (1982), Natal – Poemas e Canções (1982),
Poemas versus Prelúdios (1983), Os Pássaros da Memória (1994), Livro das
Respostas (1996) e Memória das Cores (1999).
Da motivação religiosa
que assina Natal – Poemas e Canções, Diogenes da Cunha Lima chega a outra
margem, com o Livro das Respostas, de perfeita afinação com o universo do
Chileno Pablo Neruda, que bem pode ser visto como uma continuação do seu Libro
de las Preguntas. Um lescrito ivro único no gênero, de maior emoção, imaginação
e lirismo do que a fonte que lhe deu inspiração. Por sua vez, Memória das Cores
explora o Hai-Kai com extrema felicidade. Na brevidade de sua forma, pela
sugestão visual e plasticidade, em muito deles, como um instantâneo
fotográfico, uma paisagem se desvela aos nossos olhos, ou nos conduz à reflexão
que aguça o pensamento. Em Tendresse, escrito em francês, sua poética amorosa flui
em arrebatado lirismo. De um de seus mais recentes títulos - Os Pássaros da
Memória -, seu prefaciador Gilberto Mendonça Telles diz que Diogenes da Cunha
Lima, “através do desejo de perfeição, recolhe
o mel da palavra”, adoça o seu imaginário e, com arte, reduz tudo à
linguagem, podendo assim mudar “a órbita
do planeta e abrir para o leitor o espaço encantado da poesia.”
Como todo verdadeiro
poeta é um andarilho que nunca se cansa ao percorrer os caminhos da poesia. Não
recusa travessias. A poesia de Diogenes da Cunha Lima é razão de ser, espaço de
ser, respiração e vivência, testemunho de inquietação interior, objeto de
criação pela captação da realidade em dado momento – a realidade maior da
realidade, como ensina Carlos Drummond de Andrade.
OFÍCIO
DE POETA
Limpar
a fuligem das sílabas
Para
que, metal, a palavra brilhe
Leve
e breve
No
dorso do instante
Alinhar,
como dormentes,
Os
ásperos sons
Na
composição dos temas
Que
transcendem.
Articular
brancos e escuros
Silvos
e sussurros
Os
graves com os agudos
Em
noites de relâmpagos,
Em
manhãs de azul sossego
É
a túrgida missão
Do
poeta.
TEMPO
CALENDÁRIO
Nas
asas da arribaçã
Voa
ligeiro janeiro
o
pai de toda manhã.
Fevereiro
sem contexto
Morto
Deus absorto
E
bissexto.
Março
vestido de arlequim
Ama
e esquece ser marte
Tocando
bandolim.
Sinta
o gosto sutil
Da
fruta inda verde
Nas
mulheres de abril.
O
campo é um ensaio
De
flores e cores
Seduzindo
maio.
Vem
junho e diz
É
tempo de espigas
De
seiva e raiz.
Julho
é romã
Flor
da flor
Vermelha
manhã.
Na
tristeza do sol posto
Cumpre
o cumprimento
Boa
noite agosto.
No
candelabro acendo
As
velas rubras
De
setembro.
Descubro
O
escuro do ouro
De
outubro.
Eu
me lembro
O
vento azul zunindo
Trazia
novembro.
Dezembro
são cajus
Mansas
dunas brancas
Ouro
sobre azuis.
GUIMARÃES,
L.C. Diogenes da Cunha Lima. O Galo. Natal, Ano.XII, n.10, out/2000, Pois é a
Poesia, p.22.
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