quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

DCL POR LUIS CARLOS GUIMARÃES




Diogenes da Cunha Lima, que Pois é a poesia homenageia neste número de O Galo, possui significativa fortuna crítica sobre sua poesia, que anunciou sua voz em 1957 com Lua 4 Vezes Sol, ao qual se seguiu, sete anos depois, o Instrumento Dúctil, num distanciamento que não interrompeu a continuidade de sua matriz criativa, tais as interações existentes entre esses dois primeiros livros. Olhados à distância no tempo, numa visão de conjunto, Lua 4 Vezes Sol evidencia mais unidade, com alguns poemas antológicos, entre os quais chamo então para Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça.

Já no Instrumento Dúctil transparece maturidade e domínio do seu trabalho e uma hábil manipulação do verso. Qualquer análise que se faça impõe uma distinção dos poemas em dois planos: o primeiro de poemas curtos, incisivos, no qual o oral e o visual – como fatores de expressão transcendente – se aliam à força imanente da palavra como elemento essencial do dizer poético. No segundo plano, imprime a marca de sua sensibilidade a uma poesia que une o pensamento à emoção, alternando o lírico, o prosaico do cotidiano e o elegíaco em poemas de envolvente intensidade.

De livro para livro sua poesia ganha novos contornos. Na abrangência de sua temática ressalta, até, momentos de experimentalismo que, ao lado de outras faces de sua poesia, resultam em buscas a que não faltam a inventiva e a descoberta. No seu percurso de contínuo aprimoramento e ampliação de temas, alcançou uma alto estágio poético, lastreado pelos títulos Lua 4 Vezes Sol (1967), Instrumento Dúctil (1974), Corpo Breve (1980), Tendresse (1982), Natal – Poemas e Canções (1982), Poemas versus Prelúdios (1983), Os Pássaros da Memória (1994), Livro das Respostas (1996) e Memória das Cores (1999).

Da motivação religiosa que assina Natal – Poemas e Canções, Diogenes da Cunha Lima chega a outra margem, com o Livro das Respostas, de perfeita afinação com o universo do Chileno Pablo Neruda, que bem pode ser visto como uma continuação do seu Libro de las Preguntas. Um lescrito ivro único no gênero, de maior emoção, imaginação e lirismo do que a fonte que lhe deu inspiração. Por sua vez, Memória das Cores explora o Hai-Kai com extrema felicidade. Na brevidade de sua forma, pela sugestão visual e plasticidade, em muito deles, como um instantâneo fotográfico, uma paisagem se desvela aos nossos olhos, ou nos conduz à reflexão que aguça o pensamento. Em Tendresse, escrito em francês, sua poética amorosa flui em arrebatado lirismo. De um de seus mais recentes títulos - Os Pássaros da Memória -, seu prefaciador Gilberto Mendonça Telles diz que Diogenes da Cunha Lima, “através do desejo de perfeição, recolhe o mel da palavra”, adoça o seu imaginário e, com arte, reduz tudo à linguagem, podendo assim mudar “a órbita do planeta e abrir para o leitor o espaço encantado da poesia.”

Como todo verdadeiro poeta é um andarilho que nunca se cansa ao percorrer os caminhos da poesia. Não recusa travessias. A poesia de Diogenes da Cunha Lima é razão de ser, espaço de ser, respiração e vivência, testemunho de inquietação interior, objeto de criação pela captação da realidade em dado momento – a realidade maior da realidade, como ensina Carlos Drummond de Andrade.



OFÍCIO DE POETA

Limpar a fuligem das sílabas
Para que, metal, a palavra brilhe
Leve e breve
No dorso do instante

Alinhar, como dormentes,
Os ásperos sons
Na composição dos temas
Que transcendem.

Articular brancos e escuros
Silvos e sussurros
Os graves com os agudos
Em noites de relâmpagos,
Em manhãs de azul sossego
É a túrgida missão
Do poeta.


TEMPO CALENDÁRIO

Nas asas da arribaçã
Voa ligeiro janeiro
o pai de toda manhã.

Fevereiro sem contexto
Morto Deus absorto
E bissexto.

Março vestido de arlequim
Ama e esquece ser marte
Tocando bandolim.

Sinta o gosto sutil
Da fruta inda verde
Nas mulheres de abril.

O campo é um ensaio
De flores e cores
Seduzindo maio.

Vem junho e diz
É tempo de espigas
De seiva e raiz.

Julho é romã
Flor da flor
Vermelha manhã.

Na tristeza do sol posto
Cumpre o cumprimento
Boa noite agosto.

No candelabro acendo
As velas rubras
De setembro.

Descubro
O escuro do ouro
De outubro.

Eu me lembro
O vento azul zunindo
Trazia novembro.


Dezembro são cajus
Mansas dunas brancas
Ouro sobre azuis.

GUIMARÃES, L.C. Diogenes da Cunha Lima. O Galo. Natal, Ano.XII, n.10, out/2000, Pois é a Poesia, p.22.





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