sexta-feira, 17 de junho de 2016

LIBERDADE PARA OS PÁSSAROS




Nesses tempos em que todos nós nos sentimos inseguros, Rafa, meu auxiliar no escritório, teve sua casa na Cidade Satélite assaltada. Levaram tudo. A mulher dele ainda chora. Com a voz embargada, ele demonstrou a tristeza principalmente porque levaram as suas preciosidades: a craúna, apelidada de Preta; o concriz Pixilinga, que comia na sua mão; e o azulão. Nenhum era imitador de outros pássaros, de músicas ou ruídos, como seus pares fazem. Segundo ele, cantavam “no original” (ou seja, o natural canto de cada um).

Procurei consolá-lo dizendo que poderia ser obra de um bom ladrão, que iria devolver os pássaros à floresta, sairiam do cativeiro, iriam voar em liberdade. Soou falso o consolo, então adverti, como advogado, que ele se livrara de ir para a cadeia. Das sanções penais por atividade lesiva ao meio ambiente (Lei 9.605/98). Iria cumprir pena de detenção de 6 meses a 1 ano, e seria ainda multado. O juiz não poderia perdoar porque o azulão e a craúna são pássaros ameaçados de extinção.

O poeta Manoel de Barros ensina que “os pássaros conduzem os homens para o azul, para as águas, para as árvores e para o amor”. E acrescenta, “ser escolhida por um pássaro para ser a árvore dele: eis o orgulho de uma árvore”. Em Natal, o Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte e o Parque das Dunas seguem o ensinamento. Quando eu morava no Morro Branco, o grande quintal da casa vivia cheio de pássaros porque tinha muitas árvores frutíferas: oiti, cajá, caju; manga-espada, manga-rosa e bacuri; pitomba e graviola; limão e sapoti. Havia um cajueiro que produzia amarelos frutos, de sabor único. Ao seu lado, cimentei o chão para um self service de passarinhos, acrescentando água filtrada, ração, castanhas e alpiste. Acredito que os passarinhos chamavam uns aos outros, pela quantidade cada vez maior de espécies que pousavam no cajueiro.

O escritor Nilo Pereira, pernambucano de Ceará Mirim, toda carta que me escrevia, concluía dizendo: “um abraço no cajueiro”. O poeta Luís Carlos Guimarães escreveu um poema que ele dizia interminável, ia aumentando passarinhos cada vez mais até ser publicado, dedicado a Moema e a mim, no seu livro “Ponto de Fuga”: Este cajueiro plantado / no chão da areia fina / é casa de passarinho: / (...) / que bicam o mel da canção / na polpa dos gordos cajus, / para anunciar o novo dia / na janela da madrugada.

Neste grande terreno, criei outras aves: guinés, marrecos-de-Pequim e até mesmo uma gaivota chamada Dona Fernanda (homenagem distante a “Fernão Capelo Gaivota”). Encontrei-a no Canto do Mangue. O pescador me vendeu mais barato porque tinha uma asa quebrada. Moema desejou adotá-la. Providenciei imobilização da asa, que não funcionou, a fratura estava consolidada. Dona Fernanda tomou conta da casa e da piscina. Não queria comer os peixinhos que eu lhe oferecia. Colocava na beira da piscina, empurrava para dentro d’água e ia “pescar”. Minhas filhas reclamavam da “proprietária” da piscina, a gaivota. Ela também entrava em casa e fazia as necessidades em qualquer lugar. Era dona do pedaço. Terminei levando-a para S. Miguel do Gostoso. Dei de presente para o pescador Vicentinho. Dona Fernanda passou a alegrar uma pousada onde ele trabalhava e seu retrato enfeita a casa de Pirangi.

Viver é conviver, ensina o poeta amazônico Thiago de Mello. Devemos conviver com os pássaros, mas admirá-los soltos, em liberdade, sem gaiola ou qualquer forma de captura. Afinal de contas, os pássaros todo dia nos ensinam a apreciar a liberdade.


DCL



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