terça-feira, 19 de abril de 2016

O PENSAMENTO CRISTÃO DE HÉLIO GALVÃO


É inconteste a influência do Centro Dom Vital, fundado em 1922 por Jackson de Figueiredo, na formação do laicato católico brasileiro. Suas ideias repercutiram na vida de muitos intelectuais cristãos, até o início da década de 60. Pioneiro no Brasil na adoção de um modelo de organização religiosa essencialmente leiga, não vinculada a nenhuma irmandade ou congregação. Concebido de forma diferente das tradicionais associações. Tinha por objetivo a liderança católica e a intervenção de seus membros na esfera intelectual, cultural ou social e não a prática de alguma devoção particular, como acontecia com as confrarias. Exercera papel relevante na organização da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC – RJ, com decisiva colaboração de Tristão de Athayde. Era a construção de uma elite católica, não a partir do poder econômico, mas de sua intelectualidade. Nomes de projeção nacional pertenceram ao Centro Dom Vital. Podemos citar Alceu de Amoroso Lima, Sobral Pinto, Gustavo Corção, Vilhena de Morais, Jonatas Serrano, Hamilton Nogueira, Eduardo Prado de Mendonça e tantos outros intelectuais brasileiros. “Per transennam”, vale lembrar que foi o embrião da Ação Católica, fundada pelo Cardeal Leme e confiada a Amoroso Lima, no final da década de 1920.

Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira foi escolhido patrono da entidade, não por causa da Questão Religiosa, mas pela sua forte liderança, determinação e lucidez. Impressionaram a Jackson de Figueiredo as palavras do antigo bispo de Olinda: “Peçam-nos o sacrifício de nossas faculdades, de nossa saúde, do sangue de nossas veias... Mas, pelo santo amor de Deus, não nos peçam o sacrifício de nossa consciência, porque nunca o faremos”. A formação da consciência de líderes católicos estava entre as principais metas e tarefas do Centro. 

Desde cedo, vinculou-se ao Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro e de lá se espalhou para diversos rincões brasileiros, chegando também ao Rio Grande do Norte. Um exemplo concreto é a criação em 1935 do jornal católico “A Ordem”, de propriedade da arquidiocese de Natal, cujo nome é o mesmo da revista editada por aquele importante movimento de renovação cristã. Não resta dúvida de que o Centro Dom Vital marcou época, inspirando muitas conversões, dentre elas, a de Dom Lourenço de Almeida Prado. Renunciou à sua carreira de médico e decidiu se consagrar a Cristo na vida monacal. Durante mais de quarenta anos dirigiu o Colégio São Bento, ícone da educação brasileira e da formação de futuros líderes católicos. Não podemos esquecer que Dom Marcos de Araújo Barbosa, também monge beneditino, renomado tradutor e membro da Academia Brasileira de Letras, teve sua conversão, influenciado pelo Centro Dom Vital, à época dirigido por Tristão de Athayde.

O movimento alcançou grande repercussão nos estados brasileiros. No Rio Grande do Norte, encontrou larga receptividade na Congregação Mariana de Moços. Esta fora, originalmente, uma instituição fundada pelos jesuítas para fortalecer o espírito católico entre os alunos dos colégios por ele dirigidos. Em seguida, admitiu-se a participação de outros membros. No Brasil, as congregações atuaram sob esse prisma, com a finalidade precípua de formar militantes católicos. Convém ressaltar que foi no bispado de Dom Antônio dos Santos Cabral, em 1918, que se dera a criação da Congregação Mariana para os Moços. Esta liderou a espiritualidade masculina dos católicos potiguares, dos anos 20 a 50. Atuava em três eixos: formação de técnicos, cooperativismo e imprensa. Cabe lembrar que dos dois primeiros objetivos cuidou Ulisses de Góis. Já Otto de Brito Guerra e Hélio Galvão, além do magistério e da advocacia, voltaram sua atenção também para a imprensa. É preciso ter em mente que o advogado Sobral Pinto, árduo defensor dos presos políticos e paladino da liberdade, influenciou estes dois últimos, que se dedicaram também a defender perseguidos, cassados e condenados.

A mística do Centro Dom Vital – e das congregações marianas brasileiras daquela época – fundamentava-se na trilogia: “reflexão, ação e oração”. E aqui aflora o pensamento cristão de Hélio Galvão. “Refletir para agir e orar para sustentar ambos”, pensava Tristão de Athayde. Convém lembrar que a influência do Mosteiro de São Bento, sede da Abadia Nullius de Nossa Senhora de Montserrat (com status de diocese), no Rio de Janeiro, foi muito forte tanto no Centro, quanto nas congregações marianas. O lema da ordem beneditina “ora et labora”, gravado na sua regra, inspirou a vida dos monges, oblatos e outros leigos cristãos, máxime dos membros do Centro Dom Vital. Acrescente-se a este esforço de vivência do cristianismo, o empenho para a renovação litúrgica, idealizada e propagada pelo referida abadia, a partir da encíclica de Pio XII: “Mediator Dei” (Mediador de Deus).

Imprescindível citar a presença de Jacques Maritain nesse contexto, considerado um dos pilares da renovação do pensamento católico no século XX e inspirador ideológico das democracias na América Latina.  Entre os autores influenciados por suas ideias destacam-se intelectuais latino-americanos: Gabriela Mistral,  Esther de Cáceres e Alceu Amoroso Lima. A sua obra “Humanismo Integral” repercutiu fortemente em Hélio Galvão, sedimentando suas convicções religiosas.  As obras de François Mauriac, Paul Claudel e Léon Bloy – tantas vezes citadas em suas aulas de literatura no Seminário de São Pedro – acompanhadas de leituras de Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Tasso da Silveira, contribuíram para aprofundar o seu pensamento cristão e católico. 

O jurista nasceu em Hélio Galvão da sua visão cristã do homem integral, imagem e semelhança de Deus. “Qualquer atentado ao ser humano é uma agressão ao Divino”. Tornou-se este um dos postulados do seu escritório. Inspirou-se muitas vezes no lema de Pio XII: “Opus Iustitiae, Pax” (“A paz é fruto da justiça”) para defender causas políticas com o intuito de restabelecer a paz. Não podemos negar que toda a sua vida, como advogado, professor, acadêmico, chefe de família, foi pautada numa visão cristã do mundo e da sociedade. As obras de Maritain, notadamente “Religião e Cultura”, “Da vida de Oração” e “Confissão de Fé” eram, à época, seus livros de cabeceira. Tivemos o privilégio de ler alguns, graças ao empréstimo do nosso inolvidável mestre.

Doutor Hélio Galvão tornou-se símbolo de intelectual fervoroso na luta contra as transgressões à lei, os abusos do poder (político, social, econômico e religioso) e a censura. Denunciou o que se abatia sobre a liberdade de pensamento, contestou toda forma de arbitrariedade. Defensor do homem e da democracia, nisso mostrou-se verdadeiro discípulo de Cristo, que deu sua vida pela libertação do ser humano. Hoje, quando se fala tanto em cidadania, garantia e respeito aos direitos individuais, não se pode esquecer aquele que um dia pronunciou em sala de aula: “A maior cidadania do ser humano, é ser filho de Deus. E isto me basta e me inspira nos tribunais”. Justa e merecidamente São João XXIII, tendo em vista os seus relevantes serviços prestados à Igreja, o condecorou em 14 de outubro de 1960 e o agraciou com a comenda do grau de cavalheiro da Ordem de São Gregório Magno.


PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO

(Foi aluno de Hélio Galvão, em 1955-56. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras)




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