quarta-feira, 14 de abril de 2021

HOJE TEM ESPETÁCULO


 
HOJE TEM ESPETÁCULO
 
E o sêo Maestro ataca a furiosa
Na marchinha militar;
Toda a moçada garbosa
Racha os peitos a tocar:
 
Paratibum... tibum... tibum...
tralalalá... tralá... larà...
Paratibum... tibum... tibum...
Tralalará...tralá... lará...
 
Daí a pouco o Diretor do Circo
Que é também trapezista e domador,
Vem e anuncia “ao muy distincto público”
Que o espetáculo “vai serr superrior”.
 
Aí, né?  todo mundo bate palma;
E enquanto o diretor se fantasia,
A meninada em peso se extasia
Com "Chupeta" o palhaço popular.
 
Chupeta brinca e mexe com a platéia,
Imita os moradores do lugar;
Pega uma viola sem cordas
E então desata a cantar:
 
As veiota, meus sinhores,
já perdero as ingrenage;
parece automove véio
qui num sai mais da garage.
 
No "poleiro" a meninada
Do "hoje tem goiabada"
E do "palhaço quem é?"
Contente com a palhaçada,
Assovia e bate o pé.
 
0 Diretor, no seu fraque,
Anuncia um outro artista:
Lá na porta da barraca
Vem JUPIRA, a trapezista.
 
Faz-se um silêncio completo,
Não se ouve um só rumor;
Só Mazinho se levanta,
Põe-se a ruflar o tambor.
 
E Jupira se equilibra
Na ponta do trampolim;
Dá um salto, pega a corda,
Nunca se viu coisa assim!
 
Sobe, faz peito-de-pomba,
Dá cada salto mortal;
É a maior trapezista,
Não pode haver outra igual.
 
E quando sobe mais alto,
A uns vinte metros do chão,
Todo mundo se estremece,
Parando a respiração.
 
Aí, Mazinho, mais rápido,
Põe-se o tambor a rufiar.
Jupira, num salto imenso,
Pega o trapézio no ar.
 
Chovem palmas e mais palmas.
Como no dia da estréia,
Jupira, de um lado e de outro,
Joga beijos à platéia.
 
E vem o drama: A Ré Misteriosa...
Sai-se depois, um a um,
Enquanto que a “furiosa”
Ataca o paratibum.
 
...Dorme o circo na praça 'abandonada;
A multidão aos poucos se retira."
É, por hoje acabou-se a marmelada
(E eu vou sonhar com Jupira).
  
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Assim passou, da tarde lenta na fragrância,
Na voz do circo a voz da minha infância.
 
Onde andarão Chupeta e seus gestos ridículos,
Comparando as mulheres com os veículos?
 
E Jupira, tão branca e tão frágil, esguias
Pernas bailando em mil acrobacias?
 
0 seu olhar fitando o povo, embaixo, atento,
Despertou-me o primeiro pensamento
 
De amor, a descoberta imprevista do sexo;
0 sonho se tornando mais complexo,
 
A vida se embrenhando em novos rumos, mista,
Tudo por causa de Jupira, a trapezista.
 
...Morreram, com certeza: 0 Chupeta, o palhaço,
Agonizou de dores e cansaço;
 
Jupira, numa noite, errando o companheiro,
Se esfacelou no chão do picadeiro.
 
E a charanga em sinal de respeito incomum,
Não tocou nunca mais: Paratibum... paratibum.
 
E assim como a bandinha na distância
Calou-se para sempre a voz da minha infância.
 
IVO BARROSO




Um comentário:

  1. Já dei minha opinião no seu e-mail. Texto fabuloso vou ilustrar mui honradamente. Um abraço.

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