segunda-feira, 22 de junho de 2020

CONFESSIONAL





Eu fui um menino por trás de uma vidraça — um menino de aquário.

Via o mundo passar como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.

Tudo tão chato que o desenrolar da rua acabava me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes daquele tempo.

O colorido todo se refugiava, então, nas ilustrações dos meus livros de histórias, com seus reis hieráticos e belos como os das cartas de jogar.

E suas filhas nas torres altas - inacessíveis princesas.

Com seus cavalos — uns verdadeiros príncipes na elegância e na riqueza dos jaezes.

Seus bravos pagens (eu queria ser um deles...)

Porém, sobrevivi...

E aqui, do lado de fora, neste mundo em que vivo, como tudo é diferente ' Tudo, ó menino do aquário, é muito diferente do teu sonho...

(Só os cavalos conservam a natural nobreza.)


MÁRIO QUINTANA 
De "A Vaca e o Hipogrifo"




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