sexta-feira, 17 de maio de 2019

UM EQUILÍBRIO DELICADO




Zélia Duncan é uma poeta, cantora e compositora madura que atingiu um perfeito equilíbrio entre poesia, dramaticidade e romantismo, promovendo um profícuo encontro entre a literatura e a música. Sua voz harmônica é ao mesmo tempo sedutora e de qualidade. O talento é evidente. Por seu fraseado único, senso rítmico e poesia contagiante, é um dos bons nomes da nossa música.

Participamos de um seminário no Hotel Barreira Roxa, em Natal, com o tema “Arte e Cultura como Fator do Desenvolvimento”. Durante o evento, ela interpretou este poema em prosa de sua autoria. Encantou o público, e considerei adequado para a nossa Revista. A autora permitiu sua divulgação e publicação.

VIDA EM BRANCO

Você não precisa de artistas?
Então me devolve os momentos bons
Os versos roubados de nós
As cores do seu caminho
Arranca o rádio do seu carro
Destrói a caixa de som
Joga fora os instrumentos
E todos aqueles quadros
Deixe as paredes em branco
Assim como é sua cabeça
Seu céu de cimento
Silêncio cheio de ódio
Armas pra dormir
Nenhuma canção pra ninar
E suas crianças em guarda
Esperando a hora incerta
Pra mandar ou receber rajadas

Você não precisa de artistas?
Então fecha os olhos, mora no breu
Esquece o que a arte te deu
Finge que ela não te deu nada
Nem um som, nenhuma cor,
nenhuma flor na sua blusa
Nem Van Goh, nem Tom Jobim
Nenhum Gonzaga, nem Diadorim
Você vai rimar com números
Você vai dormir com raiva
e acordar sem sonhos, sem nada
E esse vazio no seu peito
Não tem refrão pra dar jeito
Não tem balé pra bailar

Você não precisa de artistas?
Então nos perca de vista
Então nos deixe de fora
Desse seu mundo perverso
Sem verso, sem graça, sem alma.





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