CIDADE
DO NATAL DO RIO GRANDE
Luis da Camara Cascudo
3500
patriotas. Fundada em 1599. Nasceu Cidade como filho de Rei é príncipe.
Padroeira: Nossa Senhora da Apresentação que veio dentro dum caixote, lento e
manso pelo rio. Século XVIII. Tem um rio e tem o mar. Campo da Latecoere.
Tennis. Cinemas. Autos. Cinco pharmacias. Bispado. Dois jornaes diários. As
mulheres votam. O Presidente guia automóveis e viaja de avião. O secretario
mais velho roda os quarenta annos. Sal de Macau. Algodão do Seridó.
Cêra
de carnaúba. Couros. Assucar de quatro vales largos e verdes. Boiadão histórico
que em 1799 manda deseseis mil cabeças para Pernambuco. Instituto Historico.
Escola Domestica numero um no Brasil. Aereo – Club – de – Natal com dois aviões e seis campos no sertão.
Grupo-Escolar, grupo-escolar. Todo sertão se estorce no polvo das rodovias. O
pneu amassa o chão vermelho dos comboios lerdos, langues, lindos. Poetas.
Poetisas. Chronistas elegantes. Avenidas abertas para todos os ventos. Sem
escuros. Nem buracões sornentos de espanta-gury. Arvores aparadinhas estylo
Nuremberg. Ruas calçadas, macias no escorrego das descidas. Raros-raros “mi dê
umesmóla”. Associação de caridade. Meia groza de grupos de Foot-Ball. Não há
Rotary-Club, nem Automovel-Club nem Street-Club. Radiomania.
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E’ o que lhe digo. Peguei os discursos de propaganda de Hoover.
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O que está me dizendo?...
Morros,
areias, orós, mangues, cirys e aratús grudados nas pedras. Pescaria em bote com
terra encoberta. Tres botes destes foram ao Rio. Centros Operarios. Discurso
relatórios. Batalhão do Exercito. Item da Policia. Musica aos domingos nos
jardins com auto-gyros perenes de soldados e creadas e vice-versa. Sorvete,
pirolito, folhado. Uma livraria e duas casas de livros.
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Já chegou o ultimo livro de Ardel?
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Não senhora. Temos aqui agora o grande Marden.
Não
há revista nem Academia de Letras. Cidade pintada de sol com uma alegria de
domingo. Jornaes do Rio. Politica. Sympathias furiosas aos Prestes Julio e Luis
Carlos.
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Você vai ver a saiáda de Minas...
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Nem pelêge...
Notícias
de trinta horas, via aza do Laté. Sabbados monótonos com cinza triste de nada –
fazer. Feijoadas heroicas. Pescaria de cóvo. A’ noite, pesca de aratu com
facho, nas praias longes de Areia Preta. Cajueiros. Coqueiros. Mongubeiras. Bailes
do Natal-Club. “E’ favor entregar esta sobre-carta na entrada.” “Toilette
preta”. Janeiro. Festa dos Santos-Reis. Congos com puítas e ganzás roucos e
surdeadores.
“Acorda
quem está dormindo na serena madrugada venhão ver o Rei de Congos general de
nossa armada”.
Dezembro.
Lapinhas e Pastoris com musicas de cem annos teimosos e recordadores.
“A
remigio bate o gallo soltando a voz maviosa”.
Bois.
Bumba-Meu-Boi pedindo cinco dedos para riscar em papel aquellas toadas
maravilhosas. Novembro. Festa da Padroeira. Irmandade dos Passos, solemnissima.
Confederação Catholica. Escola de Commercio. Atheneu. Collegio Pedro II. Luar
impassivelmente romântico. Serenatas. Vilões gementes assanhando pruridos
nostálgicos.
“Noites
nunca hei de ter como já tive na escuridão polar de teus cabelos”.
Bó-nito!
Grog à frio. Magestic, Anaximandro, Cova da Onça. Riscos de navalha rombuda.
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Nem me fale! Pois este Jorge não escreveu dizendo que dava certidão de
nascimento de Dom Antonio Felippe Camarão por cinco mil pés de laranjas da
Bahia ?
Avenida
Tavares de Lyra. Cafés prosa estirada à café manhoso.
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Gostei de seu artigo!
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Qual ?...
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Homem, francamente...aquelle...eu sei que li...não estou bem
lebrado...aquelle...
Bonds.
Auto-Omnibus subindo. Prégões. Para oeste olhos compridos namorando
possibilidades de chuveiros. Por cima das casas zonzeiam, ronronantes e zonzos,
motores roncando no caminho sem rastos dos aviões.
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