quinta-feira, 27 de setembro de 2018

CIDADE DO NATAL DO RIO GRANDE





CIDADE DO NATAL DO RIO GRANDE


Luis da Camara Cascudo


3500 patriotas. Fundada em 1599. Nasceu Cidade como filho de Rei é príncipe. Padroeira: Nossa Senhora da Apresentação que veio dentro dum caixote, lento e manso pelo rio. Século XVIII. Tem um rio e tem o mar. Campo da Latecoere. Tennis. Cinemas. Autos. Cinco pharmacias. Bispado. Dois jornaes diários. As mulheres votam. O Presidente guia automóveis e viaja de avião. O secretario mais velho roda os quarenta annos. Sal de Macau. Algodão do Seridó.

Cêra de carnaúba. Couros. Assucar de quatro vales largos e verdes. Boiadão histórico que em 1799 manda deseseis mil cabeças para Pernambuco. Instituto Historico. Escola Domestica numero um no Brasil. Aereo – Club – de – Natal  com dois aviões e seis campos no sertão. Grupo-Escolar, grupo-escolar. Todo sertão se estorce no polvo das rodovias. O pneu amassa o chão vermelho dos comboios lerdos, langues, lindos. Poetas. Poetisas. Chronistas elegantes. Avenidas abertas para todos os ventos. Sem escuros. Nem buracões sornentos de espanta-gury. Arvores aparadinhas estylo Nuremberg. Ruas calçadas, macias no escorrego das descidas. Raros-raros “mi dê umesmóla”. Associação de caridade. Meia groza de grupos de Foot-Ball. Não há Rotary-Club, nem Automovel-Club nem Street-Club. Radiomania.

- E’ o que lhe digo. Peguei os discursos de propaganda de Hoover.

- O que está me dizendo?...

Morros, areias, orós, mangues, cirys e aratús grudados nas pedras. Pescaria em bote com terra encoberta. Tres botes destes foram ao Rio. Centros Operarios. Discurso relatórios. Batalhão do Exercito. Item da Policia. Musica aos domingos nos jardins com auto-gyros perenes de soldados e creadas e vice-versa. Sorvete, pirolito, folhado. Uma livraria e duas casas de livros.

- Já chegou o ultimo livro de Ardel?

- Não senhora. Temos aqui agora o grande Marden.

Não há revista nem Academia de Letras. Cidade pintada de sol com uma alegria de domingo. Jornaes do Rio. Politica. Sympathias furiosas aos Prestes Julio e Luis Carlos.

- Você vai ver a saiáda de Minas...

- Nem pelêge...

Notícias de trinta horas, via aza do Laté. Sabbados monótonos com cinza triste de nada – fazer. Feijoadas heroicas. Pescaria de cóvo. A’ noite, pesca de aratu com facho, nas praias longes de Areia Preta. Cajueiros. Coqueiros. Mongubeiras. Bailes do Natal-Club. “E’ favor entregar esta sobre-carta na entrada.” “Toilette preta”. Janeiro. Festa dos Santos-Reis. Congos com puítas e ganzás roucos e surdeadores.

“Acorda quem está dormindo na serena madrugada venhão ver o Rei de Congos general de nossa armada”.

Dezembro. Lapinhas e Pastoris com musicas de cem annos teimosos e recordadores.

“A remigio bate o gallo soltando a voz maviosa”.

Bois. Bumba-Meu-Boi pedindo cinco dedos para riscar em papel aquellas toadas maravilhosas. Novembro. Festa da Padroeira. Irmandade dos Passos, solemnissima. Confederação Catholica. Escola de Commercio. Atheneu. Collegio Pedro II. Luar impassivelmente romântico. Serenatas. Vilões gementes assanhando pruridos nostálgicos.

“Noites nunca hei de ter como já tive na escuridão polar de teus cabelos”.

Bó-nito! Grog à frio. Magestic, Anaximandro, Cova da Onça. Riscos de navalha rombuda.

- Nem me fale! Pois este Jorge não escreveu dizendo que dava certidão de nascimento de Dom Antonio Felippe Camarão por cinco mil pés de laranjas da Bahia ?

Avenida Tavares de Lyra. Cafés prosa estirada à café manhoso.

- Gostei de seu artigo!

- Qual ?...

- Homem, francamente...aquelle...eu sei que li...não estou bem lebrado...aquelle...

Bonds. Auto-Omnibus subindo. Prégões. Para oeste olhos compridos namorando possibilidades de chuveiros. Por cima das casas zonzeiam, ronronantes e zonzos, motores roncando no caminho sem rastos dos aviões.




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