O Seridó é uma civilização solidária. As características comuns da sociedade
seridoense, em seu conjunto, tornam o seu povo único. Os fenômenos sociais religiosos (Santana, a Padroeira
maior, as Clarissas Descalças, a festa dos Negros do Rosário, o Castelo de
Engadi), os fenômenos estéticos, (as belas moradias, cores, flores e animais
saídos das mãos das artistas bordadeiras), o melhor artesanato de alimentos
(queijos, manteiga, doces, massas) o fenômeno técnico do aproveitamento do solo seco, das vazantes, e,
sobretudo, as condições morais fortes do seridoense, limpo e corajoso.
O
Seridó, e principalmente Caicó, desenvolveu o trabalho de pequenas empresas produtoras de bonés e de
chapéus, substituindo a indústria de redes.
Caicó é hoje a segunda maior produtora de bonés do Brasil. Logo depois de Apucarana, no Paraná. No comércio, a expressão "de Caicó" é mais indicativa de
qualidade que de origem. É a capacidade
de trabalho do homem da região aliado ao fazer
bem feito. Duas mil pessoas, mais de
mil famílias vivem e tem nesse trabalho o seu sustento. O trabalhador menos qualificado, aquele que
fura o boné para pregar um botão, ganha salário mínimo. Um bom cortador chega a ganhar muito mais,
trabalhando por produção.
Pouca
gente sabe que os bonés de Caicó estão no Brasil todo. Por exemplo, na campanha de César Maia,
Conde, os bonés foram feitos em Caicó.
Quem vai a Porto Seguro, ver o lugar onde o Brasil nasceu, ou quem vai a
Flórida nos EUA, pode perfeitamente comprar um boné bordado, tipo exportação,
fabricado no Rio Grande do Norte.
É
utilizado ainda material plástico adquirido em Campina Grande, tecidos de
Pernambuco e Bahia, abas do Paraná. Mas há
movimento e desejo forte de que tudo seja produzido na região.
Infelizmente,
não há apoio do Poder Público às atividades, nem mesmo se promovem cursos de
corte e costura, nada sobre fomento das atividades, crédito, nada de positivo.
Mas,
os fiscais do Ministério do Trabalho estão de olho. Tratam os pequenos
empresários, ao que se diz, como se fossem malfeitores e a fabriqueta de fundo
de quintal como se fosse boca-de-fumo. Em Caicó noticia-se outras ameaças, para "defender o trabalhador".
Fecharam a cerâmica de Agostinho Bento de Medeiros, Baé. Conseguiram
outro feito notável: fechar a pequena indústria de Inácio de Vasconcelos, Dedé,
que chegara a produzir dez mil toalhas por semana. Ajudaram a fechar tecelagens de redes, já em
dificuldades comerciais.
A atuação dos fiscais em Natal não é diferente.
Houve um contrato da FEBEM com supermercados e empresas de turismo para
tirar os menores da rua. Chegaram a prestar serviços cerca de quinhentos
menores, de doze a dezesseis anos. O contrato vigiu com êxito durante mais de
um ano. Ainda hoje existem garçons e funcionários de supermercados advindos
dessa ideia nobre. Pois bem. O
Ministério do Trabalho considerou exploração
do trabalho do menor e conseguiu extinguir o contrato. E as ruas voltaram a
ter os seus menores, meninas prostituídas e meninos drogados.
Em
Caicó, os fiscais estão dizendo que estão fazendo um "trabalho educativo". Dizem ser orientados pela Procuradoria
Geral do Ministério do Trabalho. Mas sabedores dos outros fatos, quem confia
nesse "trabalho educativo"?
Um fiscal chegou a dizer "se não
poder produzir, como mandamos, feche..."
Todavia,
a solidariedade funcional é extraordinária. Há vínculo de amizade e respeito
entre fabricante e o operário. O serviço é terceirizado. Motos e caminhonetas
são financiados pelos empresários para os vendedores. Um operário me disse que,
perguntado pelo fiscal do M.T., mentiu dizendo: "Ele não é meu patrão, é meu parceiro. Começamos a trabalhar juntos esta
semana". De fato, trabalhava na fabriquinha há mais de dois anos.
A
civilização solidária e corajosa do Seridó prossegue. Com respeito mútuo, consideração, muito
trabalho e perigo real ou imaginário.
Há
mesmo, no setor, um começo de especialização: informática, corte, impressão,
costura, acabamento, trabalhos auxiliares. Certamente, haverá, no futuro,
indústria forte.
Hoje,
o seridoense só tem medo de duas coisas: dos poderes de Deus e dos fiscais do
Ministério do Trabalho.
Diógenes da Cunha Lima
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