Prefiro relembrar Veríssimo de Melo, com alegria e humor,
narrando poucas e boas de sua passagem por este mundo. Folclorista, jornalista,
articulista, pesquisador, humanista, uma inteligência e um estilo literário que
guardava uma inconfundível leveza clássica. Lembro-me que sua morte repentina surpreendeu a todos nós. Silenciou de
madrugada como um passarinho que se cala ao fim do seu bem voado e bem cantado
dia. E Vivi sempre me revelava uma fragilidade de bem-te-vi. Tinha medo de
viajar de avião e da morte. Mas morreu em paz. Falou-me, certa vez, que nunca
vira assombração mas gostaria de ver. Era o folclorista se sobrepondo ao
sensível, ao visível.
É sempre bom
recordar com saudade e carinho a figura de Veríssimo de Melo, escritor,
ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura e boêmio nas horas profundas da
noite natalense. Certa vez, a demora em retornar, preocupou D. Noêmia, sua
esposa. Já passava das duas da madrugada e nada de Vivi. De repente, entrando
de fininho, com aquela compleição esguia que Cascudo definiu que "dava
para se esconder atrás de um I", foi surpreendido em cima do lance:
"Veríssimo, tenha vergonha, a essa hora!!". "Como a essa
hora", respondeu Vivi, "eu vim buscar o violão!".
Diógenes da
Cunha Lima foi amigo e escreveu um livro sobre Veríssimo de Melo. Foi ele que
me passou mais essa. Veríssimo e D. Noêmia formavam um casal exemplar. As
pequenas discordâncias dos dois revelavam apenas o temperamento brincalhão e
extrovertido dele. Há um certo tempo, o programa Fantástico exibia um quadro
semanal sobre medicina, suas curiosidades e tratamentos. A matéria era sobre
varizes. D. Noêmia assistia ao lado de Veríssimo completamente distraído.
Impressionada com o relato, ela alisou as pernas e comentou: "Veríssimo,
preciso ir ao dr. Jamil. Acho que essas varizes estão acentuadas". Vivi
retruca com a ironia doméstica de marido crítico e intelectual: "Noêmia,
se você tratar tudo o que acha que tem assim você não vai morrer nunca".
Paraninfo de
todas as turmas da UFRN, o professor Veríssimo de Melo discursava solene e
fagueiro na colação de grau no Campus, quando percebeu que recebia palmas
enfadonhas e fastidiosas dos seus afilhados. Saiu um pouco do
escrito e anunciou peremptório que havia preparado uma agradável
surpresa naquela noite, fato esse que
significaria para ele também, um momento de grande alegria.
E foi passando uma a uma as páginas do seu discurso até
a lauda final, quando proferiu, sorridente e olímpico,
com os braços erguidos em triunfo: "Tenho dito". As
palmas retumbaram profusas.
Veríssimo de
Melo foi lembrado, certa vez, no Conselho Estadual de Cultura pelo poeta Diógenes da Cunha Lima. Narrou
várias de suas histórias hilárias, sublinhando duas que atestam o seu
temperamento brincalhão e criativo. Numa noite de autógrafos de um dos seus
livros, achava-se na fila o coronel Cleantho Homem de Siqueira. Na dedicatória,
Veríssimo foi mais gozador que nunca: “Ao coronel Cleantho, herói de Monte
Castelo e do restaurante Universitário, oferece Vivi”. Outro oferecimento
insólito com a marca registrada do escritor foi no exemplar dedicado ao poeta
Augusto Severo Neto que lhe fizera, tempos atrás, uma crítica literária. Inconformado, Veríssimo deu o trôco: “Para
Augusto Severo Neto, poeta que inventei e depois me arrependi, cordialmente,
Vivi”.
Salve Veríssimo
de Melo na celebração do seu centenário.
Nascimento: 09
de julho de 1921
Falecimento: 18
de agosto de 1996
VALÉRIO MESQUITA
Nenhum comentário:
Postar um comentário