Luís
Carlos Guimarães (1934 – 2001) inventava ou modelava histórias, que despertavam
o bom humor e o espírito. O poeta dizia investir em amizades. Teve lucro. A sua
aplicação rendeu-lhe muitos amigos devotados, admiração unânime em nossa cidade
e em muitas pessoas de qualidade no País.
Esse
poeta do Brasil não teve, como merecia, o reconhecimento nacional, ainda que
recebesse o louvor de grandes poetas. Entre os mais talentosos: Lêdo Ivo,
Gilberto Mendonça Teles, Francisco J. C. Dantas, Sérgio Castro Pinto. Também de
poetas tradutores como Ivo Barroso e Fernando Py e de escritores de expressão a
exemplo de Pedro Nava e Juarez da Gama Batista.
Tinha
razão Luís da Câmara Cascudo quando, desalentado, declarou que Natal não
consagra e nem desconsagra ninguém. Em verdade, a literatura da província mal
ultrapassa as fronteiras estaduais. Somos ilhas culturais no arquipélago
brasileiro. Estamos longe dos polos, Rio de Janeiro e São Paulo. E mesmo dos
centros difusores regionais: Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador.
Luís
Carlos dava às suas histórias contextos e contornos agradáveis. Ninguém
distinguia o real da fantasia. Parece que o mais importante era o inusitado,
surpreendente mesmo e o bom humor.
Ele
aproveitou um sábado de carnaval para tentar pôr em dia leituras que tinha
programado. Lia, feliz, em sua rede, quando Lêda, sua mulher, lhe repetia que
fosse comprar um xarope para a tosse do menino. Saiu contrariado. Já no portão,
encontrou os seus amigos Tota Zerôncio e Carlos Castilho. Tota estava
fantasiado e Castilho vestido de anjo. Seguem para a farra. Luís volta no
domingo, carnavalesco. Lêda, irritada, reclama tê-lo procurado por toda parte,
inclusive no necrotério. A resposta: “Está aqui o xarope do menino. A culpa não
é minha, mas do anjo. Notei que as asas do anjo não cabiam no volkswagen e eu
tive que encontrar um carro apropriado, a caminhoneta de um amigo”.
Ao lado
desse tipo de reação, Luís Carlos Guimarães foi profissional rigorosamente
responsável e lúcido, jornalista, juiz e advogado. Em nosso Escritório, ele
usava e abusava da “lógica do razoável”. Eu o apresentava dizendo que o juiz
Luís aposentou-se depois de 30 anos de lazer. Ele me dava o troco dizendo que
não foi desembargador por minha causa. Explicava que ele, juiz em Lajes, foi
por mim provocado com uma petição em versos e ele também assim despachou.
Depois, lembrado o seu nome para o Tribunal, um desembargador poeta objetou
afirmando que ele não levava o Direito a sério, a ponto de fazer poesia nos
autos do processo.
Costumava
olhar o tempo e convidava Artur Cunha Lima para uma cerveja: “Nós vamos dar um
dia desses ao patrão?”.
Nomeava
amigos com apelido ou qualificação carinhosa. Um, ágil e posudo, seria
Galo-de-campina, a mim se referia como Didi saxofone ou Didi passarinho.
Dedicou-me poema composto com nomes de dezenas de passarinhos. O Gordo Celso da
Silveira era “Flor obesa”. Transformava o ludismo da vida na lúdica do verso e,
então, acordava palavras esquecidas em impensadas associações.
Humberto
Hermenegildo e eu estamos fazendo a sua Antologia Poética. A tarefa não é
fácil, porque a dificuldade reside em escolher flores entre tão belas flores.
Como
prometera a Carlos Newton Júnior, recebeu a “moça” Caetana com taças de vinho e
partiu no fim da tarde. Deixou perdido o seu olhar azul, o tempo rememorado,
desamparada a ternura, o sabor poético da vida. Verdadeiramente deixou a cada
amigo acrescida solidão.
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