Tarsila do Amaral, 1929 |
PÁTRIA
MINHA
VINICIUS de MORAES
A minha
pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e
vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha
pátria. Por isso, no exílio
Assistindo
dormir meu filho
Choro de
saudades de minha pátria.
Se me
perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei.
De fato, não sei
Como, por
que e quando a minha pátria
Mas sei
que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que
elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas
lágrimas amargas.
Vontade
de beijar os olhos de minha pátria
De
niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade
de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha
pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem
meias, pátria minha
Tão
pobrinha!
Porque te
amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria,
eu semente que nasci do vento
Eu que
não vou e não venho, eu que permaneço
Em
contato com a dor do tempo, eu elemento
De
ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio
invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem
Deus!
Tenho-te
no entanto em mim como um gemido
De flor;
tenho-te como um amor morrido
A quem se
jurou; tenho-te como uma fé
Sem
dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta
sala estrangeira com lareira
E sem
pé-direito.
Ah,
pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando
tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi
alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me
surpreenderam parado no campo sem luz
À espera
de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu
sabia, mas amanheceu...
Fonte de
mel, bicho triste, pátria minha
Amada,
idolatrada, salve, salve!
Que mais
doce esperança acorrentada
O não
poder dizer-te: aguarda...
Não
tardo!
Quero
rever-te, pátria minha, e para
Rever-te
me esqueci de tudo
Fui cego,
estropiado, surdo, mudo
Vi minha
humilde morte cara a cara
Rasguei
poemas, mulheres, horizontes
Fiquei
simples, sem fontes.
Pátria
minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro
não; a minha pátria é desolação
De
caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia
branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe
nuvem, come terra
E urina
mar.
Mais do
que a mais garrida a minha pátria tem
Uma
quentura, um querer bem, um bem
Um
libertas quae sera tamen
Que um
dia traduzi num exame escrito:
"Liberta
que serás também"
E repito!
Ponho no
vento o ouvido e escuto a brisa
Que
brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria
minha, e perfuma o teu chão...
Que
vontade me vem de adormecer-me
Entre
teus doces montes, pátria minha
Atento à
fome em tuas entranhas
E ao
batuque em teu coração.
Não te
direi o nome, pátria minha
Teu nome
é pátria amada, é patriazinha
Não rima
com mãe gentil
Vives em
mim como uma filha, que és
Uma ilha
de ternura: a Ilha
Brasil,
talvez.
Agora
chamarei a amiga cotovia
E pedirei
que peça ao rouxinol do dia
Que peça
ao sabiá
Para
levar-te presto este avigrama:
"Pátria
minha, saudades de quem te ama…
Vinicius
de Moraes."
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