Natal nasceu cidade. Nunca foi arrabalde, vila,
aglomeração. Nasceu no dia do nascimento de Cristo, daí o seu nome. Tem uma
história simples, porque foi mais uma designação política ao seu nascimento do
que uma necessidade topográfica. Assim, tem uma história simples e emocional.
A sua paisagem garante a imutabilidade do afeto. De um
lado, o rio perene; do outro, a cinta dos morros verdes que até 1915 eram
completamente desertos.
Na minha meninice, Natal era uma cidade de 30 mil
habitantes, iluminada por 90 candeeiros de querosene, sem transportes, dividida
em dois grandes bairros; a Cidade Alta e a Cidade Baixa, ou seja, a Cidade Alta
e a Ribeira. Os habitantes da Cidade Alta eram os xarias, os moradores da
Cidade Baixa eram os canguleiros. Eu sou canguleiro.
Como ainda pertenço ao século XIX, sou testemunha do
desenvolvimento muito rápido da cidade, especialmente depois de 1930, quando
foi chamada de “Cais da Europa”. Natal era o ponto mais perto do continente
europeu, daí a necessidade militar de defendê-la. Povoou-se de soldados,
marinheiros e aviadores. Nessa época estavam por aqui Gustavo Cordeiro de
Faria, no Exército; Ari Parreiras, na Marinha; Eduardo Gomes, na Aeronáutica.
Mas em 1911 já tinha luz elétrica, telefone, bondes
elétricos e oito bondes puxados a burro.
A cidade foi se multiplicando com duas escolas, três,
hoje, uma Universidade com 50 cursos povoam-na de uma euforia de conhecimentos.
Logo em Lagoa Nova, onde eu caçava nambus com Flaubert, quando não havia nada
naquela zona.
Natal. Chamo-a Noiva do Sol, cidade sem tempestades.
Cidade clara e simpática.
Monteiro Lobato me dizia: “Sua felicidade é ter nascido
numa cidade pequena, que cresceu com você, e daí o seu amor”. Quem nasce numa
cidade grande, como o Rio de Janeiro, Paris, Londres, Berlim, não pode ter uma
recordação como quem tem numa cidade pequena. Os lugares onde dancei, hoje são
arranha-céus. O lugar mais alto de Natal, o ponto mais alto do meu tempo, era a
Torre da Matriz, onde eu via o alvissareiro com as bandeirinhas azul e vermelha
avisando a vinda dos navios do Norte e do Sul.
Natal, Noiva do Sol, minha cidade querida, deu-me o
sempre esperei: a tranquilidade do espírito, a paz do coração, o amor pelas
coisas humildes do mundo, no meio das quais sempre vivi. Por amor à cidade, eu
nada quis ser. Nem mesmo Senador, como Getúlio Vargas me queria fazer. Nem
Reitor da Universidade de Brasília, como Juscelino Kubistchek pensava.
Fiquei em Natal, só, pobre e feliz. Sou o que Diógenes da
Cunha Lima me chamou: um brasileiro feliz.”
LUÍS DA CÂMARA CASCUDO
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