A ANTA ESFOLADA
Diogenes da Cunha Lima
Conta-se,
já faz um bocado de tempo, havia um lugar tranqüilo, simples e lindo.
Ficava
perto do encontro das águas dos rios Bujari e Curimataú. O Bujari era um rio
menino, quase riacho, alegre nas correrias, barulhento, sinuoso como uma cobra,
arrancando e levando flores e cheiros das suas margens. O Curimataú, um rio
sério, mais fundo, as curimatãs subiam nadando nas suas águas doces.
O povo
era feliz no verde, onde o gado pastava, a vida se estendia preguiçosa, mansa.
Se não havia igreja, missas, culto a Deus, também ninguém agradava ao diabo nas
suas artes. O viver era cuidar do gado, arrancar as urtigas abundantes, plantar
e colher, alegrar-se nos banhos de rio e de poço. A caça, rara, mas de boa
qualidade. E nada quebrava a paz do lugar.
Num mês
de junho, encarnado de flores de mulungu, ouviu-se dizer que tinha uma anta
enorme que andava no entroncamento dos rios.
À boca
da noite, saiu um caçador com a sua “lazarina” – que era como se chamava
espingarda de um cano só – carregada de pregos e chumbo à procura da anta.
Depois de andar muito divisou, por trás do tronco rugoso de um pé de mulungu, o
pêlo escuro da anta. O bicho, com mais de dois metros de altura, aproximou-se
sem medo, balançando levemente a minúscula tromba com mostras de alegria pelo
encontro. O caçador nem ligou: fez pontaria e... fogo!
A anta
caiu, e ainda viva lhe foi tirado o couro. Mesmo esfolada, conseguiu fugir
sangrando pra dentro do rio.
O
caçador enterrou o couro na areia do Curimataú. E acabou-se o sossego do lugar.
A anta
aparecia nas noites, assombrando os moradores, com as carnes à mostra, gemendo
como se fosse gente.
O povo
morador da margem direita do rio Curimataú só se acalmava quando havia
enchente. A anta ficava do outro lado. E todo mundo sabe que assombração não
atravessa água.
Quando
as águas baixavam, que o leito do rio restava só areia, recomeçavam as
aparições. O remédio era ficar nu porque assombração só aparece à gente
vestida. Mas ninguém queria ficar nu o tempo todo. Quem se aventurasse a andar
de noite, se não encontrava a anta, ficava marcado, inchado das urtigas. O que
fazer?
Nisso,
veio um santo missionário pregando ao povo, mandando rezar e pedir a Jesus
Cristo. O missionário, capuchinho, sabedor do medo da população e do
sem-remédio da aflição, mandou que se cortasse um grande pé de inharé e se
chantasse uma cruz à margem direita do rio Curimataú onde todos deveriam rezar.
A
assombração se foi. Mudou-se o nome da povoação. Já não mais Anta Esfolada,
passou a se chamar Nova Cruz.
Só que,
por mais que se procurasse, ninguém encontrou o couro da anta.
E as
águas do Curimataú ficaram salobras até o dia de hoje.
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